Vídeo Institucional ASF
No passado dia 5 de dezembro de 2024, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) aderiu ao Memorando Multilateral de Entendimento (MMoU) da Associação Internacional de Supervisores de Seguros (IAIS).
A Associação Internacional de Supervisores de Seguros (IAIS) aprovou na Reunião Geral Anual que se realizou no dia 5 de dezembro de 2024, na Cidade do Cabo (África do Sul), a adoção do Insurance Capital Standard (ICS), que consiste numa moldura de cálculo de requisitos de capital baseados nos riscos, para aplicação, de forma consolidada, pelos grupos seguradores internacionalmente ativos (IAIG).
A 27 de dezembro de 2022, foi publicado o Regulamento (UE) 2022/2554, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022, que estabelece um quadro de resiliência operacional digital comum ao setor financeiro (doravante, Regulamento DORA).
Muito bom dia a todos.
É com enorme satisfação que, em meu nome e do Conselho de Administração, dou as boas-vindas a todos os participantes nesta Conferência Anual da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e agradeço a presença de todos.
A realização da conferência anual da ASF no dia 19 de novembro tornou-se uma tradição que partilhamos ser um marco importante para esta Autoridade.
Permitam-me dirigir uma especial saudação e agradecimento ao Senhor Ministro de Estado e das Finanças, Professor Joaquim Miranda Sarmento, cuja presença nesta sessão de abertura muito nos honra.
Agradeço também aos Senhores Conferencistas e Moderador, por terem aceitado o convite para enriquecer o debate importante que vamos hoje fazer, trazendo as suas experiências, visões e conhecimentos.
Dirijo um cumprimento especial aos representantes das Autoridades de regulação e de supervisão aqui presentes.
Minhas senhoras e meus senhores,
Nesta Conferência vamos abordar um dos temas mais prementes da atualidade: “O papel do setor segurador na gestão de riscos de catástrofes naturais”.
Vivemos tempos marcados pela intensificação de fenómenos naturais extremos, a que não são alheios os efeitos das alterações climáticas.
Desde secas prolongadas até inundações devastadoras, passando por tempestades e incêndios florestais, os últimos anos deixaram claro que as catástrofes naturais não são mais eventos isolados e raros.
Tornaram se frequentes, intensos e com impactos cada vez mais profundos nas economias, sociedades e ecossistemas.
A atualidade deste tema é visível, como, infelizmente, demonstram os acontecimentos recentes na região de Valência, Espanha, com inundações repentinas e severas, causadas por chuvas torrenciais que, em algumas áreas, atingiram até 445 litros por metro quadrado.
As consequências foram trágicas, com perda de centenas de vidas humanas e danos materiais avultados em infraestruturas e património.
Também no passado fim-de-semana assistimos, a uma escala diferente, mas ainda assim preocupante, às inundações ocorridas em vários locais do Algarve, provocadas por fortes chuvas.
No seu discurso na Cimeira de Ação Climática da COP29, a 12 de novembro, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, enfatizou a urgência de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, destacando que 2024 está a caminho de ser o ano mais quente já alguma vez registado.
Apelou aos líderes mundiais que se comprometam com três principais prioridades: a redução anual de 9% nas emissões globais até 2030, a implementação de medidas de adaptação climática e de aceleração da transição energética justa e sustentável e o apoio à adaptação climática dos países em desenvolvimento e mais vulneráveis.
Os dados são preocupantes.
De acordo com informação da Swiss Re, só em 2023, as perdas económicas globais associadas a desastres naturais atingiram 280 mil milhões de dólares, das quais apenas 35% se encontravam cobertas por seguros, revelando assim um protection gap significativo.
Em regiões vulneráveis, onde os mercados de seguros são pouco desenvolvidos, a recuperação de comunidades afetadas por estes desastres pode demorar anos ou mesmo décadas.
Numa análise histórica, a tendência tem sido de crescimento alarmante, registando-se, desde o ano de 2005, cinco anos em que as perdas económicas decorrentes de catástrofes naturais se posicionaram acima do patamar de 300 mil milhões de dólares, quando, nas décadas precedentes, apenas por uma vez esse patamar foi ultrapassado.
Em Portugal, a nossa geografia e clima colocam-nos numa posição particularmente exposta.
Os incêndios florestais, que marcaram tragicamente a última década, as vulnerabilidades geológicas associadas ao risco sísmico, as cheias que têm afetado algumas comunidades e a intensificação de tempestades são exemplos concretos dos riscos que enfrentamos.
Face ao elevado e abrangente impacto potencial associado, é fundamental estarmos preparados para responder e, acima de tudo, para prevenir os piores cenários.
Acresce que estes fenómenos podem assumir proporções sistémicas, podendo afetar, em simultâneo, não só a economia real, mas também a estabilidade do sistema financeiro, ao mesmo tempo que é colocada forte pressão sobre as finanças públicas do Estado.
O setor segurador assume um papel de destaque neste contexto, não apenas como mecanismo de proteção financeira, mas também como agente catalisador de transformação.
Através dos seus produtos e serviços, as empresas de seguros assumem e gerem os riscos a que as empresas e famílias se encontram expostas, e que não teriam, isoladamente, capacidade para suportar.
Desta forma, o setor segurador confere resiliência ao país, assegurando a mitigação significativa das perdas resultantes da ocorrência de catástrofes naturais e o acesso a mecanismos especializados de assistência, de avaliação das perdas e de compensação financeira aos lesados, promovendo uma recuperação mais célere do tecido económico e social.
No entanto, o papel do setor segurador não se restringe ao apoio após a ocorrência de um desastre.
As empresas de seguros desempenham também funções essenciais nas áreas de identificação, mensuração, gestão e monitorização dos riscos e vulnerabilidades, assim como de prevenção e adaptação, incentivando, através dos seus processos de subscrição e tarifação, a adoção de comportamentos e práticas que reduzam a exposição aos riscos cobertos.
Com efeito, ao falarmos de riscos de catástrofes naturais é fundamental que olhemos para os dois pratos da balança: a prevenção e o seguro.
Estas duas vertentes devem, o que nem sempre tem sido conseguido, andar adequadamente associadas, com pesos otimizados.
Se o seguro é um produto financeiro gerido por empresas de seguros, já na prevenção é amplo o conjunto de entidades responsáveis por esta vertente, incluindo instituições públicas.
É ainda de notar que o setor segurador é um dos maiores investidores institucionais a nível mundial, gerindo ativos que ascendem a cerca de 40 triliões de dólares.
E assim é, também, em Portugal.
Esta capacidade coloca as empresas de seguros numa posição privilegiada para contribuir, através da alocação dos seus investimentos, para o financiamento de soluções sustentáveis e de baixo carbono, alinhadas com o objetivo de contrariar a progressão das alterações climáticas.
Como referido anteriormente, subsiste, no entanto, um elevado protection gap na cobertura seguradora de riscos de catástrofes naturais a nível mundial, conclusão que se aplica igualmente a nível nacional.
O protection gap, que corresponde à diferença entre o potencial de cobertura de pessoas, atividades e patrimónios através de seguros, e a dimensão da cobertura realmente existente, é um tema importante que tem vindo a merecer uma crescente atenção.
A existência de lacunas de proteção, no contexto de vários riscos, com especial destaque para os relativos a catástrofes naturais, pode expor os segurados com coberturas subdimensionadas, e as pessoas e agentes económicos que não possuem seguros, a repercussões económicas e sociais potencialmente severas.
Estes impactos são extensíveis, também, ao próprio Estado, sempre que se verifique a necessidade de alocação de recursos financeiros para mitigação de perdas associadas a eventos de natureza sistémica.
Tal situação onera o erário público, somando-se aos encargos inevitáveis de assistência a pessoas e bens em situação de emergência, num contexto de muito provável perda de receitas fiscais.
Ciente da importância deste tema, a ASF tem vindo, desde há alguns anos, a empreender iniciativas no sentido de identificação dos protection gaps nacionais para riscos relevantes, com os objetivos de aumentar a consciencialização da sociedade para esta problemática e de promover a reflexão sobre o desenvolvimento de soluções que permitam mitigar a consequente falta de proteção.
Por exemplo, em 2022, através de um protocolo de cooperação entre a ASF e a NOVA School of Business and Economics, foi preparado, por essa faculdade, um relatório técnico com a identificação das principais áreas onde se registam gaps de cobertura seguradora no mercado nacional, bem como a exploração dos eventuais constrangimentos que obstam ao seu apuramento mais exaustivo.
Em concreto, foram abordados, nesse estudo, quatro principais áreas: o risco climático e de catástrofes naturais, o risco cibernético, o risco demográfico, nas vertentes da saúde e das pensões de reforma, e o risco pandémico, na vertente de interrupção de negócio em situações pandémicas.
Este estudo é publico, encontra-se disponível no Site da ASF.
No que respeita especificamente ao risco sísmico, os estudos da ASF remontam ao início da década de 2000, tendo os desenvolvimentos posteriores culminado no apoio ao Governo na preparação de um anteprojeto legislativo que esteve em consulta pública no final de 2010, o qual, no entanto, não chegou a ter seguimento, por causa das dificuldades então sentidas na conjuntura macroeconómica.
Mais recentemente, em 2023, a ASF efetuou uma recolha exaustiva de informação, junto do mercado segurador nacional, com o objetivo de atualizar esses estudos, o que permitiu verificar que o protection gap na área do risco de fenómenos sísmicos se mantém bastante elevado, estimando-se que cerca de 80% do parque habitacional nacional não dispõe de cobertura seguradora para esse risco.
Este estudo de caracterização da cobertura seguradora nacional atual face ao risco de fenómenos sísmicos foi publicado pela ASF na análise temática do seu Relatório de Estabilidade Financeira do Setor Segurador e dos Fundos de Pensões, de abril de 2024, encontrando-se disponível no Site da ASF.
O problema deste protection gap é agravado pela elevada concentração de população e de património em zonas classificadas como de risco sísmico mais elevado.
Ainda relativamente ao risco sísmico, que é percecionado como um dos riscos catastróficos mais relevantes a que o território de Portugal se encontra exposto, tem se assistido recorrentemente ao reacender do debate em torno da criação de um sistema nacional de cobertura – infelizmente, de forma relativamente fugaz, e em reação a eventos adversos dessa natureza em geografias mais próximas.
A criação de um tal sistema, projeto em que a ASF se encontra empenhada, perspetivando-se para breve a entrega ao Governo de um primeiro documento com propostas concretas nessa matéria, permitiria reduzir o elevado protection gap nacional existente e criar mecanismos para a acumulação de fundos ex-ante que possam ser canalizados para o ressarcimento das perdas potencialmente sistémicas decorrentes da ocorrência de um sismo.
A criação de um sistema nacional de cobertura do risco sísmico, que incluirá um fundo especificamente dedicado, pode representar um primeiro passo para a extensão posterior do sistema à cobertura de riscos climáticos.
Sem prejuízo dos estudos técnicos que será ainda necessário realizar, a ASF irá apontar nesse sentido, no relatório que entregará ao Governo, designadamente ao nível da proposta de modelo institucional de governação do fundo sísmico, de modo a permitir uma futura gestão alargada a outros riscos de natureza catastrófica.
No âmbito dos riscos climáticos, a existência de lacunas de proteção é especialmente problemática, uma vez que os efeitos das alterações climáticas tenderão a agravar progressivamente a frequência e severidade deste tipo de eventos, pressionando a sua segurabilidade ou capacidade de cobertura através de seguros a preços comportáveis.
Com efeito, o combate às alterações climáticas não permitiu até agora contribuir para reduzir os gaps de proteção, muito pelo contrário, pelo que assistimos a um aumento de catástrofes naturais sem o correspondente aumento da sua segurabilidade.
As razões subjacentes para a existência de protection gaps podem encontrar-se do lado da oferta ou da procura.
Do lado da oferta, uma insuficiente disponibilidade ou profundidade de produtos de seguros disponíveis no mercado pode ser motivada, entre outros fatores, por dificuldades na modelização dos riscos – por exemplo, devidas à falta de informação (data gaps) e/ou à elevada incerteza ou complexidade intrínseca – e falta de capacidade dos mercados segurador e ressegurador para absorver riscos, designadamente quando estes têm potencial para assumir níveis de severidade extraordinariamente elevados.
Por sua vez, do lado da procura, uma insuficiente subscrição de seguros pelas empresas ou particulares pode ser justificada pela menor perceção da utilidade desses produtos, devido à falta de uma cultura de risco e falta de literacia financeira e/ou pelo seu custo ser considerado demasiado elevado face ao rendimento disponível.
Desta forma, podem identificar-se, desde logo, as seguintes iniciativas como de importância fulcral para a mitigação dos protection gaps existentes:
- A recolha sistemática e detalhada de informação sobre perdas decorrentes de catástrofes naturais em Portugal, quer estas se encontrem cobertas por seguros ou não, assegurando a sua qualidade e consistência global;
- O desenvolvimento e melhoria dos modelos preditivos de avaliação de perdas decorrentes de eventos de catástrofes naturais, incidentes sobre o território nacional, fazendo uso das novas tecnologias e aprofundando a interligação com o conhecimento científico e académico;
- A promoção da literacia financeira específica nesta área, junto da população, fomentando uma cultura de perceção do risco que capacite para a avaliação das vulnerabilidades individuais presentes e das medidas que podem ser tomadas para as mitigar.
Adicionalmente, importa ter presente que, para riscos de natureza sistémica, pode ser inviável a sua cobertura integral exclusivamente através dos mercados segurador e ressegurador – em concreto, quando estão em causa os princípios de segurabilidade (insurability) e de acessibilidade (affordability).
Nesses casos, a mitigação do protection gap poderá ter de considerar soluções de outra natureza, como, por exemplo, o estabelecimento de mecanismos de resiliência partilhada, designadamente programas público privados, que envolvam o setor segurador, outros stakeholders e o próprio Estado.
Este tipo de soluções está presente em vários países, incluindo em países da União Europeia, mas não é ainda o caso de Portugal.
Deve notar-se que soluções estruturais desta natureza dependem necessariamente decisões de natureza política.
Neste contexto, a ASF tem demonstrado, ao longo do tempo, a sua disponibilidade e empenho no apoio ao Governo, identificando os problemas e auxiliando na sua resolução, dentro da capacidade de intervenção que a lei lhe confere.
Com este enquadramento, o programa desta Conferência foi estruturado para abordar as questões mais prementes e explorar os desenvolvimentos e as melhores práticas internacionais para fazer face aos desafios colocados pelas catástrofes naturais.
Reunimos um conjunto de reputados especialistas, cuja experiência e conhecimento irão enriquecer a reflexão que temos de fazer, coletivamente, sobre os caminhos que devemos trilhar, enquanto país, para fortalecer a nossa resiliência face a fenómenos que, cada vez mais, marcam o nosso quotidiano.
E termino.
Temos enfrentado recentemente conjunturas macroeconómicas e geopolíticas muito difíceis que nos trazem novos riscos em relação aos quais tivemos, e temos, de dar resposta.
Apesar de as adversidades e dificuldades nos consumirem muitos recursos, devemos manter, e até reforçar, o foco das nossas apostas estratégicas nos desafios estruturais e fazer deles oportunidades para nos fortalecermos e construirmos uma economia mais resiliente e sustentável com capacidade de, também, responder à incerteza.
O papel do setor segurador na gestão de riscos de catástrofes naturais convoca-nos a ter uma visão sobre o futuro, sobre o que precisamos de fazer e como fazê-lo.
A sociedade e a economia em Portugal têm à sua disposição um setor segurador que se encontra adequadamente preparado e capacitado para contribuir para esta visão de futuro.
A ASF manterá uma supervisão rigorosa, traduzindo nos seus entregáveis a excelência dos elevados níveis de conhecimento e competência das suas Equipas e a independência com que exerce a sua missão, colocando sempre em primeiro lugar o interesse público.
E agora, sim, a terminar, quero agradecer às Equipas da ASF que trabalharam para tornar possível estarmos hoje aqui reunidos.
Muito obrigada e desejo a todos um dia muito produtivo e inspirador.
Muito bom dia a todos.
Cumprimento todos os oradores e participantes do 4.º Congresso de Direito dos Seguros.
Gostaria de agradecer à AIDA Portugal o convite para estar hoje aqui o que faço com muito gosto e interesse.
Dirijo uma saudação especial à Professora Doutora Margarida Lima Rego e à Professora Doutora Maria Elisabete Ramos, coordenadoras científicas deste Congresso.
E cumprimento o Senhor Dr. Rui Martinho que nos acompanha nesta cerimónia de abertura.
Gostaria de aproveitar esta ocasião para expressar a boa e franca cooperação que tem marcado a relação entre ambas as instituições: a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e a AIDA Portugal.
É o direito dos seguros que une ambas as instituições: a AIDA pelo seu objeto, estudo e divulgação das questões relacionadas com o direito dos seguros e a ASF como autoridade de regulação e supervisão que tem por missão assegurar o regular funcionamento do setor segurador e do setor dos fundos de pensões.
O presente Congresso organizado pela Almedina em parceira com a AIDA Portugal revela a importância e a complexidade da regulação e da supervisão da atividade seguradora.
Diria que o tema do Congresso “Novos riscos, novos desafios” é em si um grande desafio para todos quantos hoje estamos aqui reunidos.
Serão, com efeito, discutidas matérias muito relevantes associadas aos novos riscos e aos novos desafios que têm vindo a surgir num contexto de permanente inovação tecnológica, mudanças climáticas e crescente instabilidade geopolítica.
Estas matérias têm um impacto estrutural nas empresas de seguros, consumidores, investidores e entidades públicas, designadamente, nos modelos de negócio, sistemas de governação, opções de consumo e desenvolvimento de políticas públicas.
Os operadores, os consumidores, os investidores e demais stakeholders, bem como as entidades de supervisão financeira, encontram-se perante um enquadramento regulatório muito extenso e denso que requer uma elevada especialização para a sua interpretação e aplicação.
Irei começar por abordar o tema do ciberrisco e da inteligência artificial (IA).
No atual contexto de permanente inovação tecnológica e de preponderância da via digital no setor segurador, importa prevenir as consequências provenientes da exposição aos riscos associados às tecnologias de informação e comunicação (TIC) – e, neste âmbito, aos riscos cibernéticos –, assumindo especial relevância o reforço da resiliência operacional dos operadores.
Reconhecendo estes desafios, foi publicado, em dezembro de 2022, o Regulamento DORA, que cria um quadro regulatório para todo o setor financeiro sobre a resiliência operacional digital, prevendo regras específicas relativas à gestão do risco associado às TIC, à notificação de incidentes de carácter severo relacionados com as TIC, aos testes de resiliência operacional digital, bem como à gestão do risco associado às TIC devido a terceiros.
A ASF tem vindo a acompanhar os trabalhos de desenvolvimento dos correspondentes mandatos regulatórios, em estreita colaboração com os demais supervisores financeiros nacionais e as Autoridades Europeias de Supervisão.
É fundamental que, no quadro de implementação das exigências trazidas pelo Regulamento DORA, os operadores disponham de mecanismos de governação e ferramentas que mitiguem a sua exposição aos riscos cibernéticos e que, em caso de ocorrência de incidentes, permitam a sua adequada e célere resolução, evitando canais de contágio e garantindo a continuidade dos serviços sem interrupções significativas.
Ao longo de 2024, a ASF tem vindo a empreender um conjunto de iniciativas que visam apoiar as entidades supervisionadas no seu processo de adaptação, das quais se destacam a publicação de uma norma regulamentar relativa à notificação de incidentes de carácter severo relacionados com as TIC e a participação no exercício de recolha de informação sobre contratos de prestação de serviços de TIC que suportem funções críticas ou importantes.
A contínua transformação digital da economia e a frequência e sofisticação crescentes dos ciberataques afeta igualmente a cobertura e gestão do risco cibernético.
Como tal, um mercado de seguros cibernéticos bem desenvolvido, com coberturas e práticas de subscrição adequadas, pode desempenhar um papel fundamental na transformação para a economia digital, contribuindo, de forma preponderante, para a resiliência operacional digital.
Relativamente ao contexto específico da IA, é importante sublinhar que a utilização desta tecnologia assume um papel fundamental na transformação digital das empresas de seguros, seja nos modelos de operação seja nos modelos de negócio.
No setor segurador, a análise de dados e o processamento de informação assumem um papel central.
Assim, o uso adequado da IA pode aumentar a eficiência em diversos domínios, tais como a gestão de processos de sinistros, a deteção de fraudes ou a determinação de prémios.
No entanto, a rapidez da inovação tecnológica financeira e o incremento da utilização de IA importam riscos acrescidos, nomeadamente ao nível dos mecanismos e resultados obtidos através desta tecnologia e do alcance de potenciais soluções injustas ou discriminatórias implementadas junto de consumidores.
Tendo em vista assegurar um elevado nível de proteção contra os efeitos nocivos dos sistemas de IA e apoiar a inovação, foi publicado, em julho de 2024, o Regulamento Europeu que cria regras harmonizadas em matéria de IA.
Este Regulamento estabelece regras para a colocação e utilização de sistemas de IA no mercado europeu, proibindo, inclusivamente, certas práticas relacionadas com estes sistemas e estabelece requisitos específicos mais exigentes para sistemas que constituem um risco elevado, bem como para os prestadores e responsáveis pela sua implementação.
Esta matéria assume um impacto relevante para o setor segurador na medida em que o Regulamento qualifica, como sistemas de IA de risco elevado, aqueles que sejam utilizados nas avaliações de risco e na fixação de preços em relação a pessoas singulares no caso de seguros de vida e seguros de saúde.
Estes desenvolvimentos implicam que a ASF detenha as capacidades para supervisionar sistemas de IA e promova a respetiva utilização de forma ética e responsável, nomeadamente através da monitorização da sua adoção pelos operadores, o que determinou a decisão de investirmos na formação das nossas equipas.
A ASF encontra-se, também, a desenvolver um projeto em parceria com a Academia com vista a testar a incorporação de soluções com componente de IA nos seus processos de supervisão.
Para além da componente de supervisão, é essencial o fomento da adequada aplicação do Regulamento IA de forma coerente e integrada com a legislação setorial em vigor, importando reter que a ASF planeia desenvolver estudos de suporte a uma iniciativa regulatória a lançar em 2025 relativa ao uso de IA nos setores que supervisiona.
Gostaria agora de abordar os riscos e os desafios relacionados com as alterações climáticas e finanças sustentáveis.
As considerações ambientais, sociais e de governação tornaram-se indissociáveis dos modelos de desenvolvimento das economias e das sociedades.
O setor financeiro é uma peça fundamental no processo de transição para uma economia hipocarbónica, eficiente e sustentável em termos de recursos, sem perder a competitividade, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas, bem como com o Pacto Ecológico Europeu.
Esta transição exige a aplicação de substanciais recursos financeiros, apelando à mobilização de ambos o setor público e o setor privado.
No caso do setor segurador, destaca-se o papel na disponibilização de coberturas e na gestão profissional de diversos riscos climáticos, como tempestades, inundações, incêndios ou secas extremas.
Presentemente, persistem défices (gaps) críticos de proteção em relação a estes riscos, configurando vulnerabilidades para as famílias, para o património, para a continuidade da atividade económica e para a própria estabilidade do sistema financeiro.
Combinado com políticas públicas que alarguem materialmente a procura por estas coberturas, bem como com a necessidade de crescente preparação e prevenção estrutural do património para resistir a riscos climáticos, o setor segurador pode, através de tarifas eficientes e cientificamente sustentadas, contribuir para mitigar as perdas financeiras dos agentes económicos, incluindo as famílias, afetados por estes eventos climáticos, promovendo uma economia e sociedade mais resilientes a este tipo de fenómenos climáticos.
As políticas de subscrição e provisionamento e a gestão do risco de investimento prosseguidas pelas empresas de seguros devem considerar medidas relativas aos riscos de sustentabilidade, em particular, os seus efeitos na avaliação e gestão do risco de perda ou de evolução desfavorável dos valores dos passivos de seguros e resseguros decorrentes de uma fixação de preços e de pressupostos de provisionamento inadequados.
No que diz respeito, concretamente, à realização de investimentos, as empresas de seguros devem, também, tomar em consideração os riscos de sustentabilidade quando procedem à identificação, mensuração, monitorização, gestão, controlo, comunicação e avaliação dos correspondentes riscos.
A ASF tem monitorizado atentamente o impacto dos riscos em matéria de sustentabilidade nas empresas de seguros.
Destaco a publicação da Circular n.º 1/2022, de 25 de janeiro, sobre análise de cenários de riscos de alterações climáticas no âmbito do exercício de autoavaliação do risco e da solvência.
No que diz respeito à relação com os consumidores, é essencial assegurar clareza e transparência na informação e, consequentemente, promover um clima de confiança, em torno da conceção e distribuição dos produtos financeiros.
A proteção dos consumidores face a este impacto negativo passa também pelo investimento na literacia e, em paralelo, na sua sensibilização.
Um dos obstáculos ao desenvolvimento de uma economia sustentável é a prática de greenwashing.
Por força do greenwashing, os consumidores são induzidos a adquirir produtos financeiros que não se encontram alinhados com as suas preferências ou a adquirir estes produtos junto de uma empresa de seguros que se apresenta com um determinado perfil de sustentabilidade que não corresponde à verdade.
As ocorrências de greenwashing corroem a confiança dos consumidores e podem gerar danos reputacionais significativos.
Neste domínio, a ASF tem promovido ações de supervisão tendo em vista prevenir fenómenos de greenwashing e proteger os consumidores, assegurando ainda uma aplicação uniforme e coerente dos regimes jurídicos em vigor.
Por último, gostaria de abordar, de forma breve forçosamente sumária, o impacto dos riscos políticos no setor segurador.
Os riscos políticos podem ter um impacto significativo nas empresas de seguros, afetando a operação e a viabilidade técnica do negócio segurador, designadamente, em contextos de elevada sensibilidade, designadamente instabilidade social, sanções internacionais, expropriações e conflitos armados.
E, os tempos em que vivemos são especialmente propensos a estas circunstâncias, designadamente, a guerra provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e os conflitos no Médio Oriente.
Com efeito, determinados eventos políticos, em particular, guerras e protestos violentos, podem resultar num aumento súbito e inesperado da sinistralidade, designadamente, em seguros de danos, por força da destruição em massa de bens.
Por outro lado, mudanças políticas que ameacem a estabilidade social e económica de um país podem ter efeitos adversos na inflação e noutros indicadores relevantes para o negócio segurador, com reflexos no valor dos seus ativos e investimentos, bem como nos custos com sinistralidade.
Assim como, situações de crise económica podem diminuir a procura por seguros, levando a uma redução de negócio com impactos na rentabilidade e solvência das empresas de seguros.
Da perspetiva da sua função económica e social, o setor segurador - setor de gestão dos riscos por excelência - dispõe de diversas opções para fazer face a cenários de riscos políticos.
Por um lado, os seguros de interrupção de negócios podem contribuir para a proteção das empresas contra as consequências da sua materialização.
Com efeito, estes riscos podem afetar diretamente as operações, as cadeias de produção e as cadeias de abastecimento, os procedimentos e o funcionamento regular de uma organização, causando perdas económicas e financeiras significativas.
De entre vários produtos disponíveis, o seguro de crédito apresenta-se como uma ferramenta importante na gestão destes riscos e de apoio à exportação das empresas, garantindo a proteção face ao incumprimento de clientes, por meio da cobertura de riscos de não pagamento.
E para terminar.
Estamos perante quadros legais extensos, dispersos e muito complexos que requerem uma elevada especialização para a sua interpretação e aplicação.
Com efeito, a multiplicidade e complexidade dos requisitos regulatórios dificulta a adoção de uma abordagem estável e sistemática, em que seja possível avaliar de forma holística os ónus regulatórios e a eficiência regulatória.
Aliviar as exigências regulatórias no setor financeiro pode ser um fator importante para estimular o crescimento económico, fomentar a inovação e aumentar a competitividade.
No entanto, uma eventual flexibilização dos requisitos legais deve ser proporcional e equilibrada, de forma a, por um lado, não comprometer a segurança e a estabilidade do setor financeiro e prevenir a adoção de riscos excessivos e comportamentos irresponsáveis e, por outro, proteger o sistema financeiro, em particular, os consumidores, de crises que a memória ainda traz bem presente.
Na carta de missão dirigida pela Presidente da Comissão Europeia à nova Comissária para os Serviços Financeiros, Poupança e a União dos Investimentos, esta foi mandatada para garantir que as regras atuais são apropriadas aos fins que tinham em vista e para se focar na redução de ónus administrativos e na simplificação da legislação.
Por seu turno, a nova Comissária, Dra. Maria Luís Albuquerque, já expressou a sua abordagem com vista à simplificação regulatória que considera essencial para uma economia competitiva da União Europeia, sem sacrificar a integridade regulatória, facilitando a conformidade sem comprometer a estabilidade financeira ou a confiança do consumidor.
E termino, com o desejo que este Congresso promova uma proveitosa discussão sobre os novos desafios do Direito dos Seguros.
Desejo também que este Congresso seja um incentivo para entidades públicas e privadas, incluindo autoridades de supervisão, operadores, associações de consumidores e a academia desenvolverem esforços e trabalharem em conjunto na construção de um setor financeiro inclusivo, sólido, resiliente e transparente.
Quero aproveitar esta oportunidade para prestar uma singela e sentida homenagem ao Professor Doutor Pedro Romano Martinez.
O Professor Doutor Pedro Romano Martinez prestou um notável contributo em diversas áreas do Direito, em particular, o Direito dos Seguros, no plano dos trabalhos legislativos, da produção científica e da docência.
O seu saber científico, rigor e generosidade deixaram uma marca profunda em gerações de juristas e de investigadores.
O Professor Doutor Pedro Romano Martinez esteve sempre disponível para colaborar com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, será sempre lembrado.
E agora, sim, termino com a firme convicção de que todos somos importantes, cada um fazendo o seu trabalho para, em conjunto, enfrentarmos os desafios atuais e futuros.
Muito obrigada.
Jurista integrado na Área de Qualificações e Seguros Obrigatórios do Departamento de Autorizações e Registos.
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