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Migalhas de pão

Intervenção da Presidente da ASF na 3.ª Conferência Internacional do Módulo Jean Monnet

10-07-2025

Muito bom dia a todos.

Cumprimento todos os conferencistas e participantes.

Dirijo um especial cumprimento à Senhora Professora Doutora Margarida Lima Rego, Diretora da NOVA School of Law, a quem agradeço o convite para participar na cerimónia de abertura desta Conferência, o que faço com muito gosto e interesse.

Cumprimento também a Professora Maria Elizabete Ramos.

Partilho a nossa satisfação de amanhã recebermos na ASF, no seu Auditório, as apresentações dos trabalhos de estudantes de mestrado sobre temas de relevante interesse e atualidade para a regulação e supervisão do setor segurador.

1. Este ano, a Conferência é dedicada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1: Erradicar a pobreza.

Neste ODS, cuja meta fundamental é a erradicação da pobreza extrema até 2030, perspetiva-se o contributo que o acesso aos seguros pode desempenhar num percurso sustentável para atingir a referida meta.

A pobreza é, como sabemos, um flagelo social que existe nas economias em vias de desenvolvimento, mas também em economias desenvolvidas. 

Sabemos também que, por sua vez, a pobreza, geradora de desigualdades sociais, afeta a capacidade de uma economia se desenvolver sem problemas na trajetória de crescimento potencial.

A pobreza combate-se criando riqueza e com políticas públicas adequadas para apoiar as famílias e os agentes económicos em situação de vulnerabilidade financeira, acompanhadas de apoios sociais que devem constituir caminhos para quebrar ciclos de pobreza. 

Mas as políticas públicas podem também desempenhar um papel transformador ao promover a oferta e a acessibilidade dos seguros.  

Também aqui, a atividade seguradora, enquanto investidor institucional, contribui para o desenvolvimento económico, enquanto gerador de emprego e de melhoria da qualidade de vida e do bem-estar das famílias.

O seguro, para além de concorrer para compensar perdas patrimoniais que podem fazer perigar a estabilidade de uma família ou de uma atividade profissional ou empresarial, pode facilitar o acesso a crédito e, por essa via, a aquisição de património pessoal (por exemplo, habitação) ou de meios de trabalho ou de capacitação que previnam ou permitam ultrapassar situações de pobreza ou de exclusão social. 

Ao cobrir os riscos e ao realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato de seguro, o setor segurador garante a proteção quer quanto a riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física, quer quanto a danos que respeitem a coisas, bens imateriais, créditos e outros direitos patrimoniais.

Quanto maior é a vulnerabilidade financeira dos indivíduos, famílias e agentes económicos, refiro-me a micro e pequenas empresas, maior é o potencial efeito que a ausência ou a existência de proteção seguradora pode representar na mitigação dos impactos negativos de eventos adversos. 

Estamos, concretamente, perante uma equação para resolver: quer dizer as populações em situação de vulnerabilidade financeira enfrentam mais dificuldade no acesso a seguros, mas os seguros são necessários para as proteger contra impactos económicos e financeiros que podem agravar a sua vulnerabilidade.

O desafio é pois: que soluções podem permitir a superação dos obstáculos que impedem as populações mais vulneráveis de aceder aos seguros?

Existe a perspetiva macro quanto ao relevo do setor segurador para este Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, pelo seu papel como agente estratégico de sustentabilidade para a melhoria das condições gerais da vida das populações, tanto nas respetivas opções como segurador, como nas decisões de investimento, enquanto relevante investidor institucional.

Os seguros podem fornecer uma rede de segurança financeira, possibilitando que as famílias pobres ou em risco de pobreza mantenham uma estabilidade financeira. 

Nesta abordagem, os seguros devem ser apresentados como produtos inclusivos.

Neste enquadramento, deve ser feita especial menção à concessão de microcrédito, bem como ao microsseguro que frequentemente lhe está associado, instrumentos adotados por alguns países em vias de desenvolvimento no âmbito das microfinanças, atividade que surge em 1970 com o objetivo social primário do alívio da pobreza. 

A acessibilidade na contratação de seguros permite, ainda, uma maior resiliência das populações que enfrentam condições de maior precariedade social e financeira face a situações de natureza catastrófica. 

As populações que vivem em países em desenvolvimento têm mais riscos e enfrentam mais incertezas. 

Por exemplo, é maior a exposição a catástrofes naturais, como deslizamentos de terras ou inundações e, também, mais riscos relacionados com a saúde, como por exemplo as doenças transmissíveis. 

Também a evolução demográfica de envelhecimento da população e o aumento da longevidade coloca desafios específicos na luta contra a pobreza, para os quais o setor segurador, a par do setor dos fundos de pensões, pode apresentar soluções de poupança apropriadas.

2. Mas não se ignora a correlação entre a vulnerabilidade financeira e a dificuldade no acesso a produtos de seguros, sobretudo quando estes são, frequentemente, assumidos como um custo adicional cujo retorno nem sempre é apreensível ou são considerados um custo não comportável.

Cabe às empresas de seguros, bem como aos reguladores e supervisores e aos decisores políticos, contrariar essa correlação, através de medidas que estão na sua esfera de intervenção.
E a Academia também tem um contributo para dar, estão no centro do conhecimento.

A literacia financeira tem aqui um papel importante, incluindo a literacia digital, não só porque permite uma melhor compreensão do papel que o seguro pode desempenhar na proteção quotidiana e na gestão e mitigação do impacto de um conjunto diversificado de riscos, como promove escolhas mais informadas e mais ajustadas às necessidades, à capacidade financeira e ao perfil do consumidor.

Com efeito, a literacia financeira deve funcionar como um fator de inclusão.

Às empresas de seguros caberá a conceção de produtos adequados e acessíveis a diferentes mercados-alvo, incluindo os mais vulneráveis, garantindo uma cobertura que assegure a sua proteção, mas que possa ser financeiramente suportada, ainda que sejam oferecidas opções adicionais. 

Compete também às empresas a adoção de práticas de mercado inclusivas e que criem a confiança de que, em caso de ocorrência de sinistro, o seguro configura uma proteção efetiva e não um mero custo sem contrapartida ou que implica processos de regularização complexos e morosos. 

Às autoridades de regulação e de supervisão competirá adotar as medidas necessárias e proporcionais para criar as condições propícias ao reforço da confiança no setor segurador e no valor da contrapartida pelo pagamento de um prémio de seguro, em que a natureza do contrato não permite a perceção imediata de aquisição de um bem ou serviço.

Para diminuir gaps de cobertura, a implementação de sistemas que congreguem esforços públicos e privados que favoreçam a acessibilidade aos seguros pode também configurar uma medida que mitigue o impacto negativo de catástrofes naturais na população em geral, mas com especial evidência na população, ou parte dessa população, que já se encontre em situação ou no limiar de uma situação de pobreza.

A ASF tem dado um contributo para a implementação de um sistema desta natureza no âmbito do risco sísmico, especialmente crítico em Portugal, com as potenciais consequências para a sociedade, a economia e o sistema financeiro perante a sua materialização. 

O mais recente contributo da ASF, transmitido no final de 2024 ao Governo, incluiu os estudos técnicos e jurídicos necessários à criação de um sistema de cobertura do risco de fenómenos sísmicos e os respetivos mecanismos de governação e de financiamento. 

Os traços gerais deste sistema serão apresentados nesta Conferência pelo Dr. Hugo Borginho, Diretor do Departamento de Análise de Riscos e Solvência da ASF.

Adianto, desde já, que se trata de uma solução partilhada e integrada de cobertura do risco, visando uma maior mutualização e diversificação geográfica do risco sísmico, centrada, na fase inicial, na proteção do património habitacional, mas com um objetivo final de abrangência pelo sistema da totalidade do património, quer habitacional, quer afeto ao comércio, serviços e indústria. 

O funcionamento do sistema assenta na cooperação e envolvimento de várias partes –tomadores de seguros/segurados, empresas de seguros aderentes, Fundo Sísmico e Estado –, cada uma respondendo até à respetiva quota-parte da responsabilidade assumida em caso de danos causados por fenómeno sísmico.

Apesar de se focar na cobertura do risco sísmico, cabe referir que o modelo de governação preconizado, admite a futura extensão da gestão de riscos de catástrofes climáticas.

3. Neste enquadramento, é com expectativa que antevejo as apresentações que hoje serão feitas nesta Conferência, desde logo, pela partilha de ângulos de abordagem distintos, mas convergentes na análise do papel do seguro na prevenção e compensação de perdas perante catástrofes naturais. 

Será deveras interessante conhecer a muito relevante experiência do Consorcio de Compensación de Seguros. 

Gostaria de deixar registada uma palavra de apreço ao trabalho da Nova School of Law, no âmbito desta Conferência, de fomentar a investigação e o estudo da relação e das interdependências que se estabelecem entre a pobreza e os seguros na sua erradicação e na perspetiva do desenvolvimento do setor segurador.

A investigação e o estudo constituem, de facto, uma fonte relevante para criar conhecimento e sensibilizar para a importância dos seguros na promoção da igualdade no acesso aos direitos humanos.

E termino, desejando a todos uma excelente Conferência.

Muito obrigada.

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