Cerimónia de apresentação pública do Presidente da ASF - Intervenção do Dr. Gabriel Bernardino
Senhor Ministro de Estado e das Finanças, Professor Joaquim Miranda Sarmento
Senhora Presidente cessante da ASF
Senhor Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Senhor Vice-Governador do Banco de Portugal
Senhora Presidente do Conselho de Finanças Públicas
Minhas Senhoras e meus Senhores,
É com grande honra e elevado sentido de responsabilidade que hoje assumo a liderança da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Faço-o com plena consciência dos desafios, mas também com a firme convicção da relevância destes setores para a resiliência da economia e para a proteção dos cidadãos e das empresas.
A minha primeira palavra é de agradecimento ao Governo, na pessoa do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, pela confiança que em mim depositou para esta missão.
Dirijo um especial reconhecimento à minha antecessora, Dra. Margarida Corrêa de Aguiar, pela dedicação com que serviu esta instituição. Agradeço-lhe, ainda, a forma profissional como conduziu esta transição, um gesto que dignifica a ASF e o serviço público, aproveitando para lhe desejar os maiores sucessos futuros.
Saúdo os meus colegas no Conselho de Administração, Dr. Rui Baleiras, Dr. Diogo Alarcão e Dra. Paula Vaz Freire, com quem terei o gosto e o privilégio de construir um caminho novo, em conjunto com toda a equipa da ASF, alicerçado nos valores do serviço público, da integridade e da transparência, e pautado por um diálogo construtivo e permanente com o mercado, os consumidores e a sociedade.
Minhas senhoras e meus senhores,
Como já tive oportunidade de afirmar publicamente, a minha visão para o futuro da ASF assenta em três pilares essenciais. O primeiro, assegurar uma supervisão independente e rigorosa. O segundo, fomentar a proteção e a resiliência social e económica. E o terceiro, impulsionar a transformação digital, a eficiência e o talento.
Para concretizar esta visão, e em linha com as melhores práticas internacionais, a supervisão será dinâmica e baseada no risco, orientando os seus recursos para as áreas de maior criticidade, definidas pelo binómio risco-impacto. Este modelo exige supervisores com elevado espírito crítico e conhecimento do mercado, pois a aplicação automática de matrizes de risco gera uma falsa sensação de segurança, sendo muitas vezes incapaz de capturar as ameaças emergentes e mais complexas.
Esta mesma lógica de evolução reflete-se na supervisão da conduta de mercado, que transita internacionalmente de um modelo focado na avaliação dos processos e da governação para um centrado nos resultados. Neste contexto, aprofundaremos a nossa análise do impacto real dos produtos e serviços nos consumidores, assegurando uma proteção substantiva — que se materializa em resultados justos e adequados — e não numa mera formalidade.
Assumimos, também, a simplificação regulatória como um objetivo estratégico, sempre salvaguardando a estabilidade financeira e a proteção do consumidor. Analisaremos o quadro regulamentar nacional para averiguar se os requisitos que excedem a base europeia se justificam pelo benefício que trazem, sem criar encargos desproporcionais que inibam a competitividade e a inovação.
Finalmente, continuaremos a assumir a nossa participação ativa na Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e no sistema europeu de supervisão como um pilar estratégico. Garante-nos uma visão global dos riscos, impulsiona a nossa modernização e torna-nos um supervisor mais influente e eficaz. No plano nacional, continuaremos a reforçar a cooperação com o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários no âmbito do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, pois uma visão integrada dos riscos é indispensável para a estabilidade do sistema financeiro.
Minhas senhoras e meus senhores,
Os seguros e os fundos de pensões são pilares da resiliência das sociedades modernas, com uma dupla função: proteger o presente e financiar o futuro. Através da mutualização de riscos, funcionam como um amortecedor sistémico contra choques individuais; ao mesmo tempo, o seu capital paciente, investido a longo prazo, é o motor do crescimento económico. Em Portugal, este papel já é vital, com os setores a gerir conjuntamente no final do ano passado cerca de 74 mil milhões de euros e a devolver anualmente 12 mil milhões à sociedade em indemnizações e pensões.
Contudo, esta importante dimensão esconde profundas lacunas de proteção. A primeira é o nosso paradoxo: somos aforradores, mas não somos investidores de longo prazo. Os resultados são um mercado de seguros que precisa de crescer 50% para atingir a média europeia, e fundos de pensões estagnados há mais de uma década. O custo desta inércia é uma imensa oportunidade perdida: mais de 70 mil milhões de euros que poderiam deixar os depósitos bancários de baixo rendimento para reforçar as futuras pensões dos portugueses e financiar a nossa economia.
A segunda grande lacuna é a nossa falta de proteção contra catástrofes naturais, agravada pelas alterações climáticas. A solução, inspirada em modelos internacionais de sucesso, passa por um sistema de responsabilidade partilhada entre o setor privado e o Estado. Neste modelo, alavanca-se a capacidade global do mercado segurador para cobrir a esmagadora maioria das perdas, e o Estado atua apenas como garante de última instância, assegurando uma recuperação mais rápida e pré-financiada que protege a estabilidade de todos.
Aqui chegados, mais do que procurar culpados no passado, importa definir o contributo que cada um de nós pode dar para construir um futuro mais resiliente.
Começando por nós, os reguladores, o nosso compromisso é evoluir para uma visão mais moderna e abrangente da nossa missão em que as lacunas de mercado são vistas como um verdadeiro risco para a proteção dos consumidores, sobretudo os mais vulneráveis. Esta nova visão implica também uma nova forma de comunicar: mais clara, mais próxima dos cidadãos e capaz de mobilizar a sociedade para a importância destes temas.
Do mercado, esperamos um contributo decisivo para a confiança, apostando na transparência para superar o estigma das "letras miudinhas" e na formulação de novos produtos, mais simples, com estratégias de investimento mais adequadas e comissões que não corroam a rentabilidade a longo prazo.
Do poder político, espera-se liderança e coragem para enfrentar a “tragédia do horizonte”, que gera resistência a medidas com custos imediatos e benefícios futuros.
E, por fim, da sociedade civil, que, ancorada nas urgências do presente e com baixa literacia financeira, mantém a crença quase messiânica de que, no fim, "o Estado resolverá" — deseja-se uma maior consciencialização dos riscos por forma a gerar a exigência pública que tornará a inação insustentável.
A ausência de reformas estruturais é um verdadeiro fracasso coletivo. Quebrar este círculo vicioso exige um esforço conjunto, para que o país assuma que a resiliência de amanhã se constrói hoje. E posso garantir-vos: a ASF assumirá plenamente as suas competências para fazer a sua parte.
Mas novos desafios se perspetivam que exigem inovação por parte da regulação e do mercado. O envelhecimento da população é um dos exemplos mais prementes e a ASF verá como muito positivo o desenvolvimento pelo mercado de soluções inovadoras adaptadas aos novos paradigmas da longevidade.
Por exemplo, na desacumulação inteligente da poupança, criando opções flexíveis que permitam converter o capital acumulado em diferentes formas de rendimento, adequadas às várias fases e necessidades da longevidade, cobrindo os custos da dependência e dos cuidados de saúde de longa duração.
Ou na oferta de soluções como a hipoteca inversa, que permitam desbloquear o património imobiliário dos nossos idosos, muitos deles "ricos em património, mas pobres em liquidez". A criação de um quadro regulamentar claro e seguro para a hipoteca inversa é uma necessidade social urgente para garantir a muitos cidadãos dignidade e autonomia na longevidade. É fundamental que as seguradoras, as entidades mais preparadas para gerir o risco de longevidade, sejam chamadas a desempenhar um papel central neste novo mercado.
A minha derradeira palavra é, naturalmente, para os colaboradores da ASF. Na última vez que estive nesta sala, em 2011, despedia-me do então Instituto de Seguros de Portugal para abraçar um desafio europeu.
Regresso agora com a mesma motivação e compromisso, e com uma certeza reforçada: a capacidade de um regulador cumprir a sua missão depende inteiramente do valor das suas pessoas.
O sucesso dos próximos anos será construído com a competência e a dedicação dos nossos quadros. Precisamos da sabedoria e da memória institucional dos mais experientes, e da energia e vontade de inovar dos mais jovens. É a combinação destas duas forças que fará da ASF uma autoridade de futuro, mais ágil e com maior impacto.
Conto com todos para criar um ambiente de trabalho participativo, estimulante e aberto à inovação e para juntos, construirmos um novo caminho.
Muito obrigado.