Vídeo Institucional ASF
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões está a recrutar colaboradores(as) para o seu quadro de pessoal, em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões está a recrutar colaboradores(as) para o seu quadro de pessoal, em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões está a recrutar colaborador(a) em regime de contrato de trabalho a termo incerto.
Construir hoje a resiliência de amanhã
Minhas senhoras e meus senhores,
Quero começar por agradecer ao ECO e à equipa da ECOseguros o amável convite para a abertura desta conferência e, sobretudo, felicitar-vos pelo trabalho que têm desenvolvido. O ECOseguros tem desempenhado um papel relevante na cobertura informada e rigorosa do setor segurador, contribuindo para uma comunicação mais transparente e para uma sociedade mais consciente da importância dos seguros.
Um setor com esta relevância precisa de mais e melhor comunicação para chegar aos cidadãos. A ASF acompanha com atenção o trabalho da comunicação social e reconhece o papel crucial que desempenha: num setor que vive da confiança e da transparência, comunicar bem é também uma forma de melhor servir os cidadãos.
A minha intervenção de hoje é centrada num dos desafios mais importantes que temos como sociedade: Construir hoje a resiliência de amanhã.
Num mundo marcado pela multiplicação dos riscos — climáticos, digitais, demográficos e geopolíticos — o setor segurador assume hoje, e assumirá cada vez mais no futuro, um papel essencial como pilar de estabilidade, proteção e confiança para os cidadãos e para as empresas, transformando incerteza em segurança e promovendo resiliência económica e social.
No entanto, em Portugal, o setor segurador ainda não tem a expressão que se observa em muitos países desenvolvidos, e essa realidade tem implicações relevantes tanto para a proteção dos cidadãos como para a perceção externa da robustez da economia nacional.
O facto de a penetração dos seguros no PIB português continuar bem abaixo da média europeia, reflete uma cultura de menor valorização da proteção financeira e da gestão de risco e é uma clara fragilidade estrutural da economia portuguesa. Reforçar o setor segurador é, por isso, não apenas uma questão de proteção social, mas também uma estratégia de credibilidade económica e competitividade internacional.
O desafio de incrementar a proteção manifesta-se em duas frentes distintas, mas unidas pela mesma lógica de antecipação. A primeira é a dos choques súbitos e visíveis como por exemplo as catástrofes naturais. A resiliência, neste caso, significa ter mecanismos financeiros, como um sistema de seguro robusto, prontos a atuar antes que a terra trema, as águas subam ou os incêndios nos afetem. Significa transformar uma perda potencialmente devastadora numa perda gerível e recuperável. A segunda frente é a das crises lentas e silenciosas, como o envelhecimento da população. Aqui, a resiliência constrói-se ao longo de décadas, através da criação de sistemas de poupança de longo prazo que garantam a dignidade, o acesso a cuidados de saúde e a segurança financeira na reforma. Em ambos os casos, a disciplina é a mesma: agir hoje para neutralizar uma ameaça futura.
Construir esta resiliência não é uma tarefa exclusiva do Estado nem uma responsabilidade deixada ao acaso do mercado. É um pacto que exige a colaboração de todos: do cidadão, que poupa e se previne; das empresas e do setor financeiro, que inovam e criam os instrumentos adequados; e do Estado, que regula, incentiva e atua como garante último do sistema. É, em suma, a marca de uma sociedade madura, que entende que o seu maior ativo é a capacidade de se proteger e de cuidar das suas gerações futuras. É o contrato social que firmamos com o amanhã.
É sobre este desafio que gostava de vos deixar hoje a minha reflexão. Comecemos então pela poupança de longo prazo para a reforma.
Como já referi publicamente, em Portugal laboramos num profundo paradoxo: somos um povo de aforradores, mas não de investidores de longo prazo. Uma fatia imensa da nossa riqueza permanece estagnada em depósitos bancários que, na última década, têm oferecido rendibilidades reais negativas. Esta inércia representa uma dupla penalização: por um lado, a inflação corrói silenciosamente o poder de compra futuro dos cidadãos; por outro, deixamos o nosso mercado de seguros e fundos de pensões muito aquém da média europeia, limitando a adequação das pensões futuras. O custo desta situação é uma imensa oportunidade perdida para reforçar a segurança financeira na reforma.
É imperioso que se efetue uma mudança estratégica na forma como encaramos a poupança, canalizando estes recursos para produtos desenhados especificamente para o longo prazo, que permitam diversificar investimentos e assumir horizontes temporais mais longos. Ao fazê-lo, aumenta-se significativamente a probabilidade de obter rendibilidades reais positivas, protegendo o património contra a erosão da inflação e construindo um complemento verdadeiramente eficaz para a pensão pública. Trata-se de uma decisão fundamental para transformar a poupança de um ato passivo numa ferramenta ativa de construção de futuro.
Esta reorientação da poupança terá um impacto que transcende a esfera individual, convertendo-se num poderoso motor para a economia nacional. Ao mobilizar este capital para o longo prazo, criamos uma base de financiamento estável para investimentos produtivos que o país necessita. Estes fundos podem ser direcionados para setores estratégicos como a transição energética, a inovação tecnológica, a saúde e a modernização de infraestruturas, gerando crescimento e competitividade. Cumpre-se, assim, uma dupla missão: por um lado, garante-se uma maior adequação e dignidade nas pensões futuras dos portugueses; por outro, financia-se o desenvolvimento sustentável da economia.
Para mobilizar a poupança dos portugueses para o longo prazo, a primeira barreira a derrubar é a da complexidade. Os produtos de reforma do futuro devem assentar numa simplicidade radical, onde a informação é apresentada em linguagem clara e os custos são reduzidos com base na utilização de novas tecnologias. O objetivo deve ser criar um produto tão fácil de subscrever e entender como um depósito a prazo, eliminando o receio e a desconfiança que hoje afastam tantos cidadãos do investimento de longo prazo.
Para além da simplicidade, estes produtos devem resolver as duas maiores dúvidas do aforrador comum: "onde investir?" e "quando devo alterar o meu risco?". A solução passa por integrar, por defeito, uma estratégia de investimento baseada no ciclo de vida, que funciona como um piloto automático para a poupança. Este mecanismo ajusta a carteira de forma progressiva ao longo do tempo, investindo em ativos de maior crescimento na juventude e migrando para opções mais seguras à medida que a idade da reforma se aproxima. Combinado com uma diversificação global que dilui o risco por diferentes geografias e setores, o cidadão garante uma gestão de risco profissional e adequada à sua idade, sem necessitar de qualquer conhecimento técnico.
Finalmente, a viabilidade de tudo isto assenta num pilar decisivo: um tratamento fiscal atrativo e estável. É esta combinação de tecnologia, simplicidade e atratividade fiscal que permitirá oferecer produtos de alta qualidade com custos mais baixos, garantindo que a maior fatia da rendibilidade gerada fica, como deve ser, nas mãos do aforrador.
Mas a poupança de longo prazo não tem como único destino o financiamento das reformas. Serve também para fazer face aos problemas de saúde associados ao incremento da longevidade.
Com a pandemia, os seguros de saúde passaram a estar no centro das preocupações da população. De acordo com o segundo inquérito nacional sobre seguros de saúde à população residente em Portugal, realizado no final de 2024 no âmbito do Observatório dos Seguros de Saúde da ASF (que convido a visitarem), a dificuldade de acesso ao SNS continua a ser o principal motivo para se contratar um seguro de saúde (34% dos inquiridos), seguido de uma menor espera para efetuar as marcações (25%).
Os seguros de saúde têm crescido de forma muito marcada, atingindo 1,7 mil milhões de euros de prémios brutos emitidos em 2024. Apesar de não ter por base um seguro obrigatório, o ramo Doença corresponde hoje ao segmento de negócio com maior produção, à frente, por exemplo, do seguro de responsabilidade civil automóvel ou dos seguros de acidentes de trabalho, o que nenhum de nós certamente imaginava que pudesse acontecer.
Em 2024 ultrapassaram-se os 4 milhões de pessoas seguras, o que é notável, mesmo sabendo-se que existe um efeito de duplicação de quem detém mais de um seguro. De acordo com o inquérito que há pouco referi, 32% da população residente em Portugal, com idade igual ou superior a 18 anos, tem hoje um seguro de saúde.
Estes são números que ilustram bem a relevância que os seguros de saúde têm vindo a assumir, não só a nível económico, mas também social, prevendo-se que continuem a evoluir no mesmo sentido nos próximos anos, até porque a satisfação global, a qualidade do serviço e o nível de confiança mantêm-se elevados, tendo obtido um índice de 7,9 pontos em 10.
Contudo, o setor dos seguros de saúde em Portugal enfrenta um conjunto de desafios interligados que testam a sua sustentabilidade a longo prazo. De um lado, regista-se como vimos uma procura crescente; do outro, há uma pressão contínua sobre os custos, impulsionada pela inflação médica e pela dinâmica de negociação com os grandes grupos hospitalares. Em resposta, as seguradoras ajustam os prémios, levantando uma questão central sobre a acessibilidade do produto, especialmente para a população sénior, onde o modelo atual se revela menos eficaz. O futuro do setor passa, assim, pela capacidade de encontrar um novo equilíbrio, o que exige uma atuação em três frentes estratégicas e complementares.
A primeira frente de atuação foca-se na reconfiguração da oferta de cuidados e na otimização da estrutura de negócio para enfrentar a espiral de custos. Fomentar uma maior concorrência entre prestadores é um passo fundamental para moderar os preços, mas a mudança mais transformadora pode vir da verticalização, onde as seguradoras desenvolvem as suas próprias redes de saúde. Contudo, por mais eficientes que estas medidas tornem o sistema, elas não resolvem, por si só, o desafio demográfico mais profundo: como proteger a população no pós-reforma.
É precisamente para responder a essa questão estrutural que a segunda frente se torna indispensável, exigindo uma mudança de paradigma de um modelo de risco anual para um de financiamento a longo prazo. A solução mais robusta e testada noutros países é a criação de seguros de saúde de longo prazo, financiados através de mecanismos de capitalização ao longo da vida ativa do trabalhador, com prémios nivelados e a constituição de provisões. Estes seguros garantiriam a continuidade da cobertura após a reforma, sem reavaliação do risco ou exclusão de doenças pré-existentes.
Finalmente a terceira frente estratégica representa uma outra mudança de paradigma: deixar o foco num "seguro de doença" para se reinventar como um verdadeiro "seguro de saúde". Continuar a operar como um mero pagador de despesas médicas, num modelo reativo que apenas entra em ação quando a doença já está instalada, é uma estratégia com os dias contados face à insustentabilidade dos custos. O mercado exige uma nova visão, onde a seguradora se assume como uma parceira proativa na jornada de bem-estar do cliente, com a missão de o manter saudável. O desafio não é apenas financeiro, mas de propósito: ou o setor lidera esta transformação, ou corre o risco de se tornar progressivamente inacessível.
Superar este desafio exige que as seguradoras em Portugal abracem a inovação de forma decisiva para implementar uma cultura de prevenção. Tal como noutros países, a implementação passa por adotar um ecossistema de ferramentas digitais que permitam monitorizar indicadores vitais e, com o apoio de inteligência artificial, oferecer aconselhamento personalizado para mitigar riscos de saúde. A par da tecnologia, é crucial desenvolver programas de incentivos que recompensem ativamente os comportamentos saudáveis e generalizar o acesso a serviços como a telemedicina e o apoio à saúde mental. O desafio prático está em ir além do discurso e investir em modelos que provem o seu valor, utilizando o conhecimento global para construir um sistema que seja, em suma, mais inteligente, preventivo e sustentável para o futuro do mercado segurador português.
Outra área onde existem lacunas de proteção relevantes é sem dúvida a das catástrofes naturais.
Avançar com a criação de um mecanismo de proteção contra catástrofes naturais é, acima de tudo, instituir um modelo de responsabilidade partilhada. É um pacto onde cidadãos e empresas assumem a sua parte na proteção, e onde o setor segurador, o resseguro e os mercados de capitais formam a primeira linha de defesa financeira, com o Estado a atuar como garante último do sistema. A virtude mais evidente desta parceria é a financeira: garantir que, após um sismo, uma cheia ou um grande incêndio, as famílias e as empresas recebem, de forma rápida, o capital de que precisam para se reerguerem. Deixamos de depender de ajudas incertas para termos um sistema pré-financiado que protege o orçamento público e acelera a recuperação económica, evitando a falência e o endividamento.
Mas as virtudes deste sistema vão muito para além da resposta pós-desastre. Ao dar um preço ao risco, o seguro cria um incentivo económico direto para a prevenção. Cidadãos e empresas são encorajados a adotar medidas de mitigação, como o reforço de edifícios ou a limpeza de terrenos, em troca de melhores condições. Em paralelo, um sistema nacional permite mutualizar os riscos a uma escala que os torna mais estáveis e seguráveis, diluindo o impacto de uma catástrofe através da partilha com o mercado ressegurador tradicional e, de forma cada vez mais inovadora, com os mercados de capitais globais através de mecanismos alternativos como as obrigações catastróficas. Deixamos de ser meros espectadores do risco para passarmos a ser gestores ativos da nossa própria segurança.
Em última análise, o que está em jogo é a estabilidade económica e a coesão social do nosso país. Um sistema de proteção contra catástrofes claro e previsível aumenta a confiança de todos — cidadãos, investidores e instituições. É, em suma, a diferença entre sermos um país que apenas reage a tragédias e um país que se prepara para elas, protegendo o seu futuro de forma inteligente e solidária.
Neste contexto de multiplicação dos riscos, de lacunas de proteção e de necessidades de investimento privado nas prioridades da União, a regulação tem naturalmente sido objeto de ajustamentos.
Após a grande crise financeira de 2008 e a subsequente crise das dívidas soberanas na Europa, o setor financeiro entrou numa fase de necessário e intenso aperto regulatório. Foi uma resposta inevitável à necessidade de restaurar a estabilidade e a confiança e de construir defesas mais robustas contra o risco sistémico. Regimes como o Solvência II e o Basileia III impuseram requisitos de capital mais exigentes, aumentaram as obrigações de reporte e reforçaram a supervisão, com o objetivo primordial de garantir que o sistema nunca mais estaria tão vulnerável. Esta fase, embora fundamental para a segurança do sistema, criou também um enquadramento algo complexo e, por vezes, excessivamente restritivo.
Hoje, mais de uma década depois, é evidente que estamos numa nova fase, a de refluxo regulatório. O pêndulo, que esteve no extremo da máxima aversão ao risco, está definitivamente a inverter a sua trajetória. Tendo consolidado as bases da estabilidade financeira, estamos hoje numa fase de reavaliação das regras, com um foco crescente na proporcionalidade, na competitividade e no crescimento económico.
Esperamos que este movimento de refluxo não enfraqueça o sistema, mas que o torne mais eficiente, ágil e capaz de cumprir a sua função central: financiar a economia e servir a sociedade. O desafio para o futuro é, portanto, encontrar o ponto de equilíbrio certo para este pêndulo, onde a regulação garante a solidez e a proteção do consumidor, mas sem sufocar a inovação, a concorrência e a capacidade do setor financeiro de investir nas grandes transições que temos pela frente, da digital à climática. É a consolidação de um setor seguro, mas também dinâmico e competitivo.
A recente revisão da Diretiva Solvência II, publicada em janeiro de 2025 e que entra em vigor em 2027, representa uma significativa atualização ao regime e visa sobretudo ajustar os requisitos quantitativos e reforçar o princípio da proporcionalidade.
O impacto mais direto na proporcionalidade será sentido pelas seguradoras de menor dimensão e com perfis de risco menos complexos. Para estas entidades, o novo enquadramento prevê a simplificação de cálculos, a redução de obrigações de reporte e uma abordagem de supervisão mais ajustada à sua realidade, diminuindo os encargos administrativos e financeiros que o regime inicial impunha. A alteração mais visível ao nível dos requisitos quantitativos, que será ainda amplificada por um novo regulamento delegado ainda em discussão, resultará num alívio de capital de montante muito significativo para o setor no seu todo.
Esta libertação de capital cria, no entanto, uma situação singular e um desafio para a estabilidade do setor a longo prazo. A melhoria nos rácios de solvência não resultará de uma diminuição do perfil de risco das seguradoras, mas sim de uma alteração nas regras de cálculo e, sejamos claros, no nível global de prudência, o que naturalmente coloca desafios acrescidos à supervisão. A ASF prepara-se para este novo cenário reforçando os seus recursos humanos e tecnológicos, a fim de aumentar a sua capacidade de antecipar riscos e atuar de forma mais inteligente, rápida e eficaz, para manter a estabilidade financeira e continuar a garantir a proteção dos consumidores.
O excedente de capital decorrente da revisão do Solvência II deve ser visto pelos operadores como uma oportunidade estratégica para incrementar o investimento em tecnologia e no desenvolvimento de novos produtos, soluções de gestão de risco e serviços que fomentem a capacidade do setor de prestar mais e melhor serviço aos seus clientes.
Adicionalmente, a redução dos requisitos de capital para alguns tipos de ativos, como as ações, deve funcionar como um incentivo ao desenvolvimento de estratégias de investimento mais adequadas aos produtos de longo prazo para a reforma.
Em suma, o impacto mais positivo desta revisão virá da capacidade do setor de usar este alívio regulatório não como um ganho a distribuir pelos acionistas, mas como capital a reinvestir na sua própria modernização e na melhoria do serviço prestado à economia e à sociedade.
Minhas senhoras e meus senhores,
A segurança e a prosperidade do nosso futuro não são um dado adquirido, mas sim o resultado de decisões e investimentos que fazemos no presente. Resiliência é a capacidade de um sistema — seja um indivíduo, uma economia ou um país — de absorver um choque, recuperar rapidamente e adaptar-se para se tornar mais forte. É o oposto da fragilidade, que nos deixa permanentemente vulneráveis, a reagir de crise em crise, a remediar em vez de prevenir. Adiar esta construção é escolher, conscientemente, um futuro mais instável e mais caro, onde o custo da inação será sempre superior ao preço da preparação.
Construir hoje a resiliência de amanhã é um desafio no qual todos temos a nossa quota parte de responsabilidade. Espero que todos tenhamos noção de que como diz a sabedoria popular chinesa, "O melhor momento para plantar uma árvore foi há vinte anos. O segundo melhor momento é agora.".
Muito obrigado.
Do Risco à Resiliência: A Jornada da Inovação Responsável no Setor Segurador
Senhoras e senhores,
É com enorme satisfação que participo nesta conferência dedicada à inovação e à transformação digital no setor segurador – um tema que considero absolutamente central para o futuro da nossa atividade.
Gostaria de começar por felicitar a Universidade Católica pela organização desta iniciativa e por reunir um conjunto tão relevante de participantes: representantes das associações do setor, parceiros tecnológicos, académicos e profissionais que, como eu, acreditam no potencial transformador da tecnologia.
Vivemos um período de transformação digital acelerada. A inovação tecnológica deixou de ser uma opção estratégica para se tornar numa necessidade estrutural. As seguradoras estão a investir na modernização da sua cadeia de valor, incorporando soluções que promovem agilidade, eficiência e proximidade ao cliente.
Contudo, esta transformação não é homogénea. A capacidade financeira, os recursos humanos e técnicos, a qualidade dos dados, a literacia digital – tanto interna como externa – e a própria regulação são fatores que condicionam a velocidade e profundidade da mudança.
Paralelamente, assistimos ao nascimento de um ecossistema de insurtechs, que trazem uma abordagem ágil e centrada no cliente. Estas empresas, muitas vezes pequenas em dimensão, mas grandes em ambição, desafiam os modelos tradicionais, redesenham a jornada do consumidor e empurram os operadores incumbentes para soluções mais inovadoras.
Este movimento é saudável e necessário. A inovação não se faz apenas dentro das organizações, mas também através da colaboração com quem pensa fora da caixa.
Mas a digitalização, como sabemos, traz não só oportunidades, como também novos riscos – ou acentua os já existentes. Falo de riscos cibernéticos e operacionais, riscos de governação e subcontratação, riscos de discriminação e exclusão financeira, e riscos sistémicos associados à concentração de prestadores tecnológicos.
A utilização de inteligência artificial, especialmente na sua vertente generativa, levanta preocupações adicionais: desde a qualidade dos dados à supervisão humana, passando pela transparência e explicabilidade dos algoritmos.
Internamente, as seguradoras enfrentam desafios estruturais que não podemos ignorar. Os sistemas legados, pouco escaláveis, dificultam a inovação. A superfície de ataque digital aumenta, os ciberataques tornam-se mais complexos, e a dependência de fornecedores de IT representa um risco sistémico. A redução das interações humanas pode comprometer a supervisão e a empatia, e a qualidade dos dados – que são hoje o verdadeiro combustível das organizações – torna-se crítica.
Mas há também oportunidades claras e promissoras. A modernização tecnológica traz ganhos de eficiência operacional. O reforço da segurança e da conformidade é possível. A integração e interoperabilidade de sistemas permite uma visão mais holística. A tomada de decisão estratégica pode ser apoiada por informação em tempo quase real. E há espaço para reforçar a literacia digital em toda a organização, avaliar a exposição a terceiros, garantir a continuidade do negócio e reposicionar a cadeia de valor com foco na segurança da informação.
Neste contexto, a regulação assume um papel determinante.
O Regulamento DORA vem uniformizar e harmonizar as exigências relativas à segurança das redes e sistemas de informação no setor financeiro. Impõe requisitos robustos de resiliência operacional digital, gestão de riscos tecnológicos, supervisão de terceiros e notificação de incidentes. Mais do que uma obrigação, é uma oportunidade para reforçar a confiança e a robustez do setor.
O AI Act, por sua vez, introduz uma estrutura baseada no risco, que distingue claramente entre sistemas de alto risco e sistemas de risco limitado ou mínimo. No setor segurador, esta distinção é particularmente relevante, uma vez que apenas algumas aplicações – como a avaliação de risco e a fixação de preços para seguros de vida e de saúde são classificadas como de alto risco. Estas aplicações estão sujeitas a um conjunto rigoroso de obrigações legais.
Para os sistemas de alto risco, os requisitos incluem: gestão específica dos riscos, governação robusta dos dados, documentação técnica detalhada, manutenção de registos, supervisão humana contínua e garantias de transparência, robustez e cibersegurança. Além disso, os fornecedores destes sistemas devem implementar sistemas de gestão de qualidade, realizar avaliações periódicas de conformidade e comunicar com as autoridades competentes. Esta abordagem visa mitigar os riscos para os direitos fundamentais, a segurança e a integridade dos processos decisórios que envolvem indivíduos.
Por outro lado, os sistemas de IA que não se enquadram na categoria de alto risco – como os utilizados em tarefas administrativas, apoio à decisão ou análise de padrões – estão sujeitos a requisitos mais leves, centrados sobretudo na transparência e na explicabilidade. Nestes casos, recomenda-se a adoção de boas práticas voluntárias, como códigos de conduta, sem imposição de obrigações legais tão exigentes. Esta dicotomia regulatória permite que a inovação tecnológica avance de forma proporcional ao risco envolvido, promovendo a confiança dos consumidores e a responsabilidade das entidades seguradoras na utilização da IA.
Em minha opinião, a gestão de risco deve ser proporcional à complexidade e impacto dos sistemas utilizados, promovendo uma cultura de responsabilidade e inovação consciente. A inteligência artificial não deve ser vista apenas como uma ferramenta de eficiência, mas como um elemento estratégico que exige supervisão contínua, avaliação crítica e compromisso com os princípios fundamentais da ética. Só assim será possível garantir que os avanços tecnológicos contribuem para um setor mais resiliente, justo e centrado no cliente.
A transformação digital é inevitável. Mas não é apenas tecnológica – é cultural, estratégica e humana. Parte das pessoas, vive nos processos e reflete-se na relação com o cliente.
As seguradoras que não acompanharem esta evolução arriscam perder competitividade, relevância e, em última instância, os seus clientes.
A supervisão e a regulação devem acompanhar este movimento com proximidade, flexibilidade e visão. Devem identificar a inovação, compreender os seus impactos e, quando necessário, ajustar o quadro regulatório para promover eficiência sem comprometer a proteção do consumidor.
É neste espírito que a ASF irá consolidar a sua estratégia para o futuro. A nossa visão é clara: queremos ser um regulador de referência, pilar da confiança no sistema financeiro, posicionando-nos na vanguarda da supervisão para garantir um mercado sólido, inovador e centrado nas pessoas.
Acreditamos que a tecnologia e os dados devem ser utilizados para agir de forma preditiva e ágil, promovendo a inovação segura em benefício dos consumidores.
Na era digital, assumimos o papel de catalisadores da inovação responsável. Supervisionamos com rigor os novos riscos tecnológicos, com especial atenção à resiliência operacional e aos desafios da inteligência artificial. Mas, ao mesmo tempo, trabalhamos para criar um ambiente que favoreça a inovação segura, que beneficie o consumidor e que fortaleça o mercado.
Abraçamos o potencial da tecnologia para criar valor. Monitorizamos ativamente os desenvolvimentos e procuramos habilitá-los com segurança, através de um quadro regulatório claro, transparente e confiável. A inteligência artificial, em particular, merece a nossa atenção especial: queremos que o seu uso se traduza em soluções mais justas, acessíveis e centradas nas pessoas.
E para que tudo isto seja possível, estamos a transformar a nossa supervisão através da utilização estratégica de dados. Acreditamos que a supervisão do futuro será preditiva, inteligente e eficaz. Para isso, estamos a consolidar a nossa infraestrutura tecnológica e a evoluir as ferramentas de análise, sempre com um foco claro: antecipar riscos e atuar com rapidez e precisão.
Senhoras e senhores,
A transformação digital é um caminho exigente, mas é também uma oportunidade única para reposicionar o setor segurador como um pilar de confiança, inovação e valor social. A ASF está comprometida com este futuro, e com todos os que nele acreditam.
Muito obrigado.
Senhor Ministro de Estado e das Finanças, Professor Joaquim Miranda Sarmento
Senhora Presidente cessante da ASF
Senhor Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Senhor Vice-Governador do Banco de Portugal
Senhora Presidente do Conselho de Finanças Públicas
Minhas Senhoras e meus Senhores,
É com grande honra e elevado sentido de responsabilidade que hoje assumo a liderança da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Faço-o com plena consciência dos desafios, mas também com a firme convicção da relevância destes setores para a resiliência da economia e para a proteção dos cidadãos e das empresas.
A minha primeira palavra é de agradecimento ao Governo, na pessoa do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, pela confiança que em mim depositou para esta missão.
Dirijo um especial reconhecimento à minha antecessora, Dra. Margarida Corrêa de Aguiar, pela dedicação com que serviu esta instituição. Agradeço-lhe, ainda, a forma profissional como conduziu esta transição, um gesto que dignifica a ASF e o serviço público, aproveitando para lhe desejar os maiores sucessos futuros.
Saúdo os meus colegas no Conselho de Administração, Dr. Rui Baleiras, Dr. Diogo Alarcão e Dra. Paula Vaz Freire, com quem terei o gosto e o privilégio de construir um caminho novo, em conjunto com toda a equipa da ASF, alicerçado nos valores do serviço público, da integridade e da transparência, e pautado por um diálogo construtivo e permanente com o mercado, os consumidores e a sociedade.
Minhas senhoras e meus senhores,
Como já tive oportunidade de afirmar publicamente, a minha visão para o futuro da ASF assenta em três pilares essenciais. O primeiro, assegurar uma supervisão independente e rigorosa. O segundo, fomentar a proteção e a resiliência social e económica. E o terceiro, impulsionar a transformação digital, a eficiência e o talento.
Para concretizar esta visão, e em linha com as melhores práticas internacionais, a supervisão será dinâmica e baseada no risco, orientando os seus recursos para as áreas de maior criticidade, definidas pelo binómio risco-impacto. Este modelo exige supervisores com elevado espírito crítico e conhecimento do mercado, pois a aplicação automática de matrizes de risco gera uma falsa sensação de segurança, sendo muitas vezes incapaz de capturar as ameaças emergentes e mais complexas.
Esta mesma lógica de evolução reflete-se na supervisão da conduta de mercado, que transita internacionalmente de um modelo focado na avaliação dos processos e da governação para um centrado nos resultados. Neste contexto, aprofundaremos a nossa análise do impacto real dos produtos e serviços nos consumidores, assegurando uma proteção substantiva — que se materializa em resultados justos e adequados — e não numa mera formalidade.
Assumimos, também, a simplificação regulatória como um objetivo estratégico, sempre salvaguardando a estabilidade financeira e a proteção do consumidor. Analisaremos o quadro regulamentar nacional para averiguar se os requisitos que excedem a base europeia se justificam pelo benefício que trazem, sem criar encargos desproporcionais que inibam a competitividade e a inovação.
Finalmente, continuaremos a assumir a nossa participação ativa na Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e no sistema europeu de supervisão como um pilar estratégico. Garante-nos uma visão global dos riscos, impulsiona a nossa modernização e torna-nos um supervisor mais influente e eficaz. No plano nacional, continuaremos a reforçar a cooperação com o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários no âmbito do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, pois uma visão integrada dos riscos é indispensável para a estabilidade do sistema financeiro.
Minhas senhoras e meus senhores,
Os seguros e os fundos de pensões são pilares da resiliência das sociedades modernas, com uma dupla função: proteger o presente e financiar o futuro. Através da mutualização de riscos, funcionam como um amortecedor sistémico contra choques individuais; ao mesmo tempo, o seu capital paciente, investido a longo prazo, é o motor do crescimento económico. Em Portugal, este papel já é vital, com os setores a gerir conjuntamente no final do ano passado cerca de 74 mil milhões de euros e a devolver anualmente 12 mil milhões à sociedade em indemnizações e pensões.
Contudo, esta importante dimensão esconde profundas lacunas de proteção. A primeira é o nosso paradoxo: somos aforradores, mas não somos investidores de longo prazo. Os resultados são um mercado de seguros que precisa de crescer 50% para atingir a média europeia, e fundos de pensões estagnados há mais de uma década. O custo desta inércia é uma imensa oportunidade perdida: mais de 70 mil milhões de euros que poderiam deixar os depósitos bancários de baixo rendimento para reforçar as futuras pensões dos portugueses e financiar a nossa economia.
A segunda grande lacuna é a nossa falta de proteção contra catástrofes naturais, agravada pelas alterações climáticas. A solução, inspirada em modelos internacionais de sucesso, passa por um sistema de responsabilidade partilhada entre o setor privado e o Estado. Neste modelo, alavanca-se a capacidade global do mercado segurador para cobrir a esmagadora maioria das perdas, e o Estado atua apenas como garante de última instância, assegurando uma recuperação mais rápida e pré-financiada que protege a estabilidade de todos.
Aqui chegados, mais do que procurar culpados no passado, importa definir o contributo que cada um de nós pode dar para construir um futuro mais resiliente.
Começando por nós, os reguladores, o nosso compromisso é evoluir para uma visão mais moderna e abrangente da nossa missão em que as lacunas de mercado são vistas como um verdadeiro risco para a proteção dos consumidores, sobretudo os mais vulneráveis. Esta nova visão implica também uma nova forma de comunicar: mais clara, mais próxima dos cidadãos e capaz de mobilizar a sociedade para a importância destes temas.
Do mercado, esperamos um contributo decisivo para a confiança, apostando na transparência para superar o estigma das "letras miudinhas" e na formulação de novos produtos, mais simples, com estratégias de investimento mais adequadas e comissões que não corroam a rentabilidade a longo prazo.
Do poder político, espera-se liderança e coragem para enfrentar a “tragédia do horizonte”, que gera resistência a medidas com custos imediatos e benefícios futuros.
E, por fim, da sociedade civil, que, ancorada nas urgências do presente e com baixa literacia financeira, mantém a crença quase messiânica de que, no fim, "o Estado resolverá" — deseja-se uma maior consciencialização dos riscos por forma a gerar a exigência pública que tornará a inação insustentável.
A ausência de reformas estruturais é um verdadeiro fracasso coletivo. Quebrar este círculo vicioso exige um esforço conjunto, para que o país assuma que a resiliência de amanhã se constrói hoje. E posso garantir-vos: a ASF assumirá plenamente as suas competências para fazer a sua parte.
Mas novos desafios se perspetivam que exigem inovação por parte da regulação e do mercado. O envelhecimento da população é um dos exemplos mais prementes e a ASF verá como muito positivo o desenvolvimento pelo mercado de soluções inovadoras adaptadas aos novos paradigmas da longevidade.
Por exemplo, na desacumulação inteligente da poupança, criando opções flexíveis que permitam converter o capital acumulado em diferentes formas de rendimento, adequadas às várias fases e necessidades da longevidade, cobrindo os custos da dependência e dos cuidados de saúde de longa duração.
Ou na oferta de soluções como a hipoteca inversa, que permitam desbloquear o património imobiliário dos nossos idosos, muitos deles "ricos em património, mas pobres em liquidez". A criação de um quadro regulamentar claro e seguro para a hipoteca inversa é uma necessidade social urgente para garantir a muitos cidadãos dignidade e autonomia na longevidade. É fundamental que as seguradoras, as entidades mais preparadas para gerir o risco de longevidade, sejam chamadas a desempenhar um papel central neste novo mercado.
A minha derradeira palavra é, naturalmente, para os colaboradores da ASF. Na última vez que estive nesta sala, em 2011, despedia-me do então Instituto de Seguros de Portugal para abraçar um desafio europeu.
Regresso agora com a mesma motivação e compromisso, e com uma certeza reforçada: a capacidade de um regulador cumprir a sua missão depende inteiramente do valor das suas pessoas.
O sucesso dos próximos anos será construído com a competência e a dedicação dos nossos quadros. Precisamos da sabedoria e da memória institucional dos mais experientes, e da energia e vontade de inovar dos mais jovens. É a combinação destas duas forças que fará da ASF uma autoridade de futuro, mais ágil e com maior impacto.
Conto com todos para criar um ambiente de trabalho participativo, estimulante e aberto à inovação e para juntos, construirmos um novo caminho.
Muito obrigado.
Técnico(a) de Compensação, Benefícios e Operações integrado(a) no Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos.
Técnico(a) de Política Regulatória integrado(a) no Departamento de Política Regulatória.
Técnico(a) de Comunicação integrado(a) no Departamento de Comunicação.
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