Migalhas de pão

Intervenção do Administrador da ASF, Dr. Diogo Alarcão, na Cerimónia de Encerramento do 24.º Curso de Pós-Graduação em Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros

13-05-2024

O SETOR DOS SEGUROS EM PORTUGAL

Muito bom dia a todos.

Começo por cumprimentar todo os presentes e, em particular, o Senhor Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Calvão da Silva, o Professor Doutor Rui de Figueiredo Marcos e o Senhor Presidente da Direção do Instituto do Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros, Professor Pedro Maia a quem agradeço o convite que muito me honrou e que aceitei de imediato. 

Inicio esta conferência com uma breve referência histórica.

Coincidência, ou não, a data da fundação da Universidade de Coimbra ocorre num momento em que a história dos seguros em Portugal conhece um importante impulso quando, por carta régia de 1293, D. Dinis aprovou a criação de uma “bolsa comum”, a primeira bolsa de seguros destinada a compensar os prejuízos resultantes da utilização de navios com destino a portos estrangeiros. 

A história da atividade seguradora desde muito cedo procurou formas de mitigação dos riscos associados à atividade comercial e soluções que garantissem a segurança comercial, por exemplo, através da criação de associações que assumiam a responsabilidade de indemnizar os membros que sofriam perdas de mercadorias devido a naufrágios ou de acordos entre grupos de pessoas que se comprometiam a prestar auxílio mútuo em caso de perdas. 

O seguro assumiu, desde então, um papel central na atividade financeira do país, muito por força do importante papel de Portugal no desenvolvimento do comércio marítimo de longa distância.

O seguro evoluiu ao longo dos séculos, de forma significativa, em paralelo com as mudanças na economia e na sociedade, adaptando-se aos riscos presentes em cada momento e ampliando os setores em que é conferido um grau de proteção financeira da sociedade, tanto das famílias como das empresas, que hoje podem transferir uma multiplicidade de riscos para as empresas de seguros. 

Num conceito amplo do setor segurador, e do direito dos seguros, consideram-se também parte integrante os fundos de pensões e as respetivas entidades gestoras.

Desde logo existe alguma similitude nos regimes, embora os fundos de pensões gozem de um regime jurídico autónomo, designadamente o regime de constituição e funcionamento dos próprios fundos de pensões, a constituição e funcionamento das sociedades gestoras, mas também os requisitos de solvência.

Numa breve caracterização dos setores supervisionados pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), começaria por destacar o facto de o setor segurador integrar no final de 2023 um total de 37 empresas de seguros nacionais, 27 empresas estabelecidas em regime de sucursal e 513 em regime de LPS, um total de quase 600 empresas de seguros autorizadas a cobrir riscos no nosso País.

Na mesma data, existiam 16 entidades gestoras de fundos de pensões que registavam cerca de 130 fundos de pensões fechados e 240 fundos de pensões abertos.

Por último, o setor da mediação de seguros que, no final de 2023, era composto por um pouco mais de 10 mil agentes (categoria em que têm maior preponderância as pessoas singulares), 69 corretores, 5 mediadores de seguros a título acessório e 16 mediadores de resseguros. 

Se lhes somarmos os mediadores em Livre Prestação de Serviços (LPS) e os mediadores estabelecidos em regime de sucursal, temos cerca de 14 mil entidades a exercerem a atividade de distribuição de seguros em Portugal.

Parece um número expressivo, mas na verdade tem-se verificado uma redução gradual do número de mediadores, devido a uma cada vez mais exigente legislação que pressupõe um maior profissionalismo de quem se dedica a esta atividade. Em 2010, existiam cerca de 29 mil mediadores ativos. 

Em termos de atividade, em 2023, a produção global do mercado de seguro direto em Portugal, ou seja, o volume de prémios entregue pelos tomadores de seguros às empresas de seguros, foi de cerca de 12 mil milhões de euros.

Os montantes gastos com sinistros chegaram muito perto de onze mil milhões de euros, sendo que aproximadamente 90% desse montante foi suportado pelas empresas de seguros nacionais.

Como saberão, a atividade seguradora divide-se essencialmente entre o ramo Vida e os ramos Não Vida.

A produção de seguro direto do ramo Vida atingiu em 2023 um pouco mais de 5,2 mil milhões de euros, tendo registado cerca de 7,2 mil milhões de euros de montantes pagos com sinistros durante 2023.

Já os ramos Não Vida atingiram um pouco mais de 6,5 mil milhões de euros de produção, destacando-se o seguro de Acidentes e Doença com cerca de 2,7 mil milhões de euros, o seguro Automóvel com 2,2 mil milhões de euros e o seguro de Incêndio e Outros Danos com 1,2 mil milhões de euros. Somados, estes três segmentos de negócio representam um pouco mais de 90% do total dos ramos Não Vida.

Ao nível dos montantes pagos com sinistros, os ramos Não Vida despenderam em 2023 3,7 mil milhões de euros, dos quais se salientam os mesmos três segmentos de negócio.

Face a 2022, o valor da produção de seguro direto em Portugal em 2023 registou uma diminuição de cerca de 2%, muito motivada pelo decréscimo significativo registado no ramo Vida, 14%, embora contrariado pelo acréscimo de um pouco mais de 10% verificado nos ramos Não Vida.

O decréscimo da produção no ramo Vida resultou de uma diminuição de cerca de 60% na procura de produtos unit-linked, contratos de seguro ligados a fundos de investimento em que o risco financeiro corre por conta do tomador de seguro, já que a mais recente evolução macroeconómica tem vindo a possibilitar uma maior oferta de produtos com garantia de capital e/ou de taxa de rendibilidade. 

Passando, agora, ao papel da ASF, que tenho aqui a honra de representar, importa clarificar a extensão do seu âmbito de atividade, na medida em que é a entidade responsável pela regulação e supervisão da atividade seguradora, resseguradora, dos fundos de pensões e respetivas entidades gestorase, ainda, da mediação de seguros.

A ASF tem por missão assegurar o bom funcionamento do mercado segurador e dos fundos de pensões em Portugal, por forma a garantir a proteção dos tomadores de seguros, segurados, subscritores, participantes, beneficiários e lesados.

Esta missão é assegurada através da promoção da estabilidade e solidez financeira de todos os operadores sob a sua supervisão e, também, da garantia da manutenção de elevados padrões de conduta por parte dos operadores.

No domínio da sua atividade internacional, a ASF colabora ainda com diversas entidades de direito público e privado e com diversos organismos internacionais, designadamente em matéria de regulação e supervisão da atividade seguradora e resseguradora, de fundos de pensões e de mediação de seguros.

Destaco, pela sua importância, a interação contínua com a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma, a EIOPA, que é uma das três Autoridades que constituem o Sistema Europeu de Supervisão Financeira, conjuntamente com a Autoridade Bancária Europeia, a EBA, e a Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados, a ESMA.

O trabalho desenvolvido pela EIOPA assenta numa estrutura de órgãos de decisão e grupos de trabalho técnicos, incluindo no âmbito da supervisão, da regulação, da estabilidade financeira e da literacia financeira. A ASF é ainda um dos membros do Conselho de Supervisores, que é o principal órgão de decisão e é composto pelos representantes das Autoridades nacionais competentes dos vários Estados-membros. 

Nos termos dos seus Estatutos, e por força de toda a moldura legal aplicável ao setor segurador, a ASF dispõe de competências regulamentares, de autorização, de registo ou certificação, de supervisão e contraordenacionais.

A intervenção regulatória da ASF desenvolve-se em múltiplos planos, de acordo com o seu regime estatutário. Desdobra-se entre poder regulatório próprio, quer na vertente regulamentar quer na vertente de soft law, bem como na competência para pronúncia sobre iniciativas legislativas ou outras relativas à regulação dos setores de atividade sob supervisão.

A ASF é ainda muitas vezes ouvida para formular sugestões com vista à revisão do quadro jurídico aplicável a esses setores e à participação em processos regulatórios sob a égide de entidades nacionais, como o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, o CNSF, ou de entidades internacionais, como o Conselho da União Europeia, a título de apoio ao Governo, ou, ainda, no âmbito da EIOPA.

Já o seu papel, enquanto supervisor materializa-se no acompanhamento da atividade dos operadores e na verificação da observância das regras que regulamentam a atividade, com vista ao saneamento de irregularidades e à adoção de providências de recuperação, havendo em alguns casos lugar ao sancionamento de infrações detetadas.

A supervisão da ASF compreende a vertente prudencial e a vertente comportamental. 

A primeira incide sobre as regras e limites prudenciais a observar por forma a assegurar níveis adequados de solidez e solvência, assim como a confirmar aspetos relativos à organização, ao controlo interno dos operadores e ao desenvolvimento da atividade de acordo com as regras de uma gestão sã e prudente. 

Por sua vez, a supervisão comportamental, ou da conduta de mercado, incide sobre o comportamento dos operadores no relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários ou terceiros lesados, no caso do setor segurador, e dos associados, contribuintes, participantes e beneficiários, no caso dos fundos de pensões, antes, durante e após a celebração dos contratos.

A supervisão comportamental inclui ainda a análise e o tratamento das reclamações dirigidas à ASF e o desenvolvimento de iniciativas de informação e formação dos clientes da atividade de fundos de pensões, nomeadamente no âmbito da literacia financeira.

Num conceito amplo de supervisão podem ainda distinguir-se a análise das condições de acesso e as de exercício da atividade.

As condições de acesso referem-se àquelas que visam impedir a entrada no mercado de operadores que não apresentem a necessária idoneidade e experiência profissionais ou não detenham meios técnicos e financeiros ajustados.

Por sua vez, as condições de exercício respeitam o controlo sistemático da atividade, tanto em termos das garantias prudenciais como de adequação de boas práticas de conduta de mercado.

Numa dimensão social, a ASF assume ainda um papel muito significativo com forte componente social junto do consumidor. 

Começo por destacar, o facto de a ASF ter vindo a apostar de forma crescente na literacia financeira, planeando anualmente um conjunto de iniciativas e divulgando diversos materiais de apoio ao consumidor para melhor compreensão dos setores supervisionados e dos direitos que lhe são conferidos pelo enquadramento legal e regulamentar vigente. 

Nesta sede, saliento o Portal do Consumidor da ASF, que reúne instrumentos de comunicação dinâmicos, interativos e de fácil apreensão pelo consumidor com o objetivo de fortalecer a comunicação com o consumidor de seguros e com o consumidor de fundos de pensões, tornando-a mais próxima, fácil, rápida e acessível.

A nível do setor financeiro, e conjuntamente com o Banco de Portugal e com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a ASF participa também no Plano Nacional de Formação Financeira, sob a égide do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. Este Plano visa contribuir para elevar o nível de conhecimentos financeiros da população e promover a adoção de comportamentos financeiros adequados, através de uma visão integrada de projetos de formação financeira.

Finalmente, na estrutura orgânica da ASF estão ainda integradas duas Unidade de Apoio com funções sociais de grande relevo, o Fundo de Garantia Automóvel, o FGA, e o Fundo de Acidentes de Trabalho, o FAT.

O FGA responde perante os terceiros lesados em acidentes de viação ocorridos em Portugal, quando não exista seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel para o veículo causador do sinistro e, em certas condições, garante o pagamento dos danos causados por este, mesmo quando não identificado.

O FGA assume, assim, um papel de grande relevância junto da sociedade civil na proteção de vítimas de acidentes rodoviários, mas também na prevenção da condução sem seguro, bem como na difusão de alertas para a adoção de comportamentos responsáveis na estrada, através da realização de campanhas de informação, muitas vezes lançadas em parceria com outras entidades relevantes como a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a ANSR, a “Estrada Viva” e a Associação “Bênção dos Capacetes”.

Por sua vez, ao FAT compete garantir o pagamento das indemnizações de acidentes de trabalho nos casos em que as entidades empregadoras não o possam fazer, reembolsar as empresas de seguros dos montantes das atualizações das pensões a cargo destas e proceder ao pagamento de prémios de acidentes de trabalho de empresas em processo de recuperação.

Através do FAT, o Estado funciona como o garante das situações que o mercado segurador não contempla ou aquelas em que intervém subsidiariamente em relação à sociedade civil no que concerne à substituição da entidade responsável pelo pagamento das prestações devidas em caso de acidente de trabalho.

Gostaria, agora, de partilhar os novos desafios e tendências que se têm vindo a verificar nos sectores dos seguros e fundos de pensões.

Ao longo do tempo, o setor segurador tem-se mostrado capaz de sustentar as mudanças que a sociedade tem sofrido, acompanhando as alterações demográficas, sociais e a alteração de padrões das trocas comerciais.

Atualmente, colocam-se novos desafios e novas tendências. Neste contexto, é inevitável falar sobre inovação tecnológica e digitalização. 

A inovação tecnológica é um fator impulsionador da evolução do setor segurador, potenciando uma oferta de seguros mais personalizada e o desenvolvimento de produtos que assegurem a resposta às necessidades de proteção dos agentes económicos para fazer face aos riscos trazidos justamente pela tecnologia. 

As empresas de seguros dispõem de aplicações e recorrem, cada vez mais, a ferramentas de Inteligência Artificial em várias etapas da cadeia de valor dos seus produtos de seguros, melhorando a experiência do cliente, sobretudo a nível da subscrição de riscos, com a oferta de produtos cada vez mais personalizados e adaptados às necessidades individuais. 

Com efeito, a Inteligência Artificial é usada para analisar grandes quantidades de dados e, desta forma, potencia a avaliação do risco de oferecer um seguro a um determinado perfil de tomador ou segurado, permitindo a definição de preços mais precisos para as apólices.

No entanto, a adoção da Inteligência Artificial também envolve desafios, como a necessidade de grandes quantidades de dados para treinar modelos de aprendizagem da máquina (machine learning) e a obrigação de garantir a segurança e a privacidade dos dados dos clientes.

Ao adotar soluções baseadas em Inteligência Artificial, e no tratamento de dados em massa, as empresas de seguros devem, assim, garantir o cumprimento do Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD), o que implica a implementação de medidas adequadas de segurança de dados , como criptografia e autenticação de dois fatores, bem como a criação de políticas claras de privacidade e de proteção de dados. 

De igual modo, na sua atuação, devem ter presente a garantia de que os dados dos clientes sejam usados apenas para fins legítimos e que sejam armazenados somente pelo período necessário. 

Impõe-se ainda o estabelecimento de princípios éticos, com vista a impedir uma eventual desproteção e fragilização dos consumidores, originada por assimetrias de conhecimento, e novas categorias de vulnerabilidade do consumidor, causadas e agravadas por algoritmos. É imperativo acompanhar estes novos processos, evitando que enfraqueçam gradualmente a posição do consumidor nos mercados digitalizados ou originem situações de discriminação entre tomadores de seguros e segurados.

Esse é um grande desafio no âmbito da supervisão, que terá de conseguir acompanhar a evolução que as empresas de seguros estão a efetuar neste âmbito, não só em termos procedimentais como da boa governança da Inteligência Artificial.

Por outro lado, a utilização de Inteligência Artificial no processo de supervisão configura uma necessidade premente, sendo complementares os processos de Suptech e de Regtech

O Suptech (Supervisory Technology) está relacionada com o recurso a novas tecnologias para auxiliar e agilizar o exercício da supervisão.

Por sua vez, o Regtech consiste na gestão de processos regulatórios dentro do setor financeiro por meio da tecnologia. O conceito surge da conexão de duas palavras – regulation e technology, significando, portanto, a aplicação de tecnologia pelos operadores supervisionados com o objetivo de garantirem o cumprimento das obrigações relacionadas com a legislação em vigor.

Deste modo, os desafios colocados à supervisão devem ser acompanhados por uma forte vigilância que permita acautelar de forma gradual o adequado quadro regulatório e de boa governação destas novas ferramentas.

Ainda a este propósito importa fazer referência a dois Regulamentos europeus.

Desde logo, o DORA, o Regulamento sobre resiliência operacional digital para o setor financeiro europeu que será aplicável a partir de janeiro de 2025. 

Este regulamento trará novas exigências para os operadores, das quais destaco a necessidade de criação de registos relativos aos prestadores de serviços de tecnologias de informação e comunicação, a notificação imediata de ocorrências de caráter severo aos supervisores e a realização de testes de resiliência operacional digital. 

A ASF tem vindo a tomar medidas sobre esta matéria, das quais sublinho a publicação de uma norma regulamentar sobre a governação e segurança das tecnologias de informação e comunicação. 

Em segundo lugar, cabe também fazer uma referência ao recente Regulamento sobre Inteligência Artificial da União Europeia (IA Act) que tem por objetivo introduzir um quadro jurídico comum para a Inteligência Artificial. 

Este Regulamento veio estabelecer uma classificação de categorias de risco das aplicações de Inteligência Artificial. Esta classificação varia entre um risco mínimo e um risco inaceitável proibindo determinados mecanismos de Inteligência Artificial.

Com efeito, o Regulamento de Inteligência Artificial estabelece um quadro de governação complexo, com a intervenção coordenada de novas entidades responsáveis pela respetiva aplicação, quer ao nível da União Europeia, quer a nível nacional. 

A nível europeu, veio criar duas instituições, o Serviço Europeu para a Inteligência Artificial e o Comité Europeu para a Inteligência Artificial.

O primeiro tem como objetivos desenvolver as competências e as capacidades da União Europeia no domínio da Inteligência Artificial, contribuir para a aplicação da legislação da UE nesta matéria e acompanhar a implementação de sistemas de Inteligência Artificial e as obrigações dos fornecedores.

Por sua vez, o Comité Europeu para a Inteligência Artificial tem essencialmente funções consultivas, sendo composto por representantes dos Estados-membros, um painel científico de peritos independentes e um órgão consultivo, para aconselhar e assistir a Comissão e os Estados-membros, com vista a garantir uma aplicação coesa do Regulamento. 

A nível dos Estados-membros, é instituída a obrigatoriedade de criação de pelo menos duas Autoridades nacionais, uma Autoridade de controlo e uma Autoridade de fiscalização do mercado.

No contexto de incerteza que vivemos e dos desafios associados, é também devida uma nota à relevância do combate às alterações climáticas e à implementação de medidas de transição para uma economia sustentável e de baixo carbono, bem como aos desafios associados à sustentabilidade. 

A este tema encontra-se associado, por um lado, o risco de agravamento das perdas decorrentes de fenómenos climáticos, tanto danos diretos, como interrupções de negócio, e, por outro lado, os riscos relacionados com a transição sustentável, que está dependente do desenvolvimento e implementação em grande escala de tecnologias e serviços ainda não inteiramente disponíveis, que viabilizem uma economia e sociedade de baixas emissões de carbono. 

Neste contexto, o setor segurador tem mais uma vez um papel relevante a desempenhar, sendo essencial destacar a sua responsabilidade na divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade, que permitirá melhorar o nível de literacia financeira e o conhecimento da população sobre estes assuntos.

É hoje consensual a perceção de que a gestão das empresas deve basear-se num modelo que incorpore os princípios da sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (ESG), para melhorar não só o desempenho organizacional, mas também a sustentabilidade do nosso planeta.

Atualmente, muito investidores estão cada vez mais interessados nas práticas de ESG das empresas em que investem, o que pressiona as entidades financeiras a integrarem os princípios da sustentabilidade na sua estratégia para atrair e reter investidores e clientes.

Porém, a pressão existente nesta matéria leva, por vezes, algumas empresas a comunicar que são mais sustentáveis do que na realidade são, muitas vezes por meio de estratégias de marketing pouco transparentes, o designado greenwashing.

O greenwashing, ou ecobranqueamento, constitui-se, pois, como uma prática através da qual se procura passar uma falsa imagem de sustentabilidade quando, na realidade, a empresa não tem impacto ambiental positivo, ou a extensão do impacto ambiental anunciado não corresponde à realidade.

Os operadores, consumidores, investidores e demais stakeholders, bem como os supervisores financeiros, encontram-se perante um enquadramento legal muito extenso e disperso, no que se refere ao greenwashing.

A legislação relativa ao financiamento sustentável afeta praticamente todas as áreas do exercício da atividade das entidades financeiras. Na verdade, aspetos estruturais da atividade das referidas entidades sofreram importantes alterações, que configuram um novo paradigma de atuação.

O greenwashing é, com efeito, um fenómeno com um impacto substancial nos consumidores. A existência de declarações que induzam em erro pode levar os consumidores a adquirir produtos financeiros que não se encontram alinhados com as suas preferências ou a adquirir estes produtos junto de operadores que se apresentam com um determinado perfil de sustentabilidade que não corresponde à verdade.

Sendo certo que os fenómenos de greenwashing podem ocorrer em múltiplas fases do ciclo de vida de um produto financeiro, só é possível combater o greenwashing através de uma supervisão holística e integrada que tome em consideração os múltiplos aspetos, riscos e potenciais ocorrências deste fenómeno.

As Autoridades Europeias de Supervisão têm desenvolvido um trabalho muito relevante neste domínio, procurando robustecer o enquadramento regulatório, a divulgação de boas práticas e a investigação do impacto e dos riscos deste fenómeno, bem como o desenvolvimento de soluções comuns aos vários mercados.

Mas importa deixar claro que, apesar destes fenómenos existirem, e aos quais a ASF está muito atenta, o setor segurador reúne todas as condições para se afirmar como um setor inclusivo e sustentável que contribui através de produtos adequados e acessíveis para estes objetivos. 

Retomando a questão dos fenómenos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, esta nova tendência veio expor a importância de se identificar e colmatar as lacunas de proteção existentes entre as perdas económicas projetáveis, decorrentes de eventos de catástrofe natural, e aquelas que se encontram cobertas por apólices de seguro. 

O volume de seguros em Portugal com coberturas de riscos catastróficos é muito baixo, o que amplia a vulnerabilidade social e económica a riscos desta natureza. 

A resolução dos protection gaps existentes, no caso de eventos potencialmente sistémicos, exige uma abordagem abrangente e concertada em termos de políticas públicas, envolvendo não apenas o setor segurador, mas também o Estado, ao potenciar a criação de mecanismos de identificação e monitorização de riscos, e a população em geral, através da adoção de comportamentos responsáveis e de estratégias que promovam a adaptação climática. 

A nível nacional, importa destacar o desafio em aberto relacionado com a necessidade de fortalecer a resiliência contra o risco de fenómenos sísmicos. 

A ASF encontra-se presentemente empenhada na realização dos trabalhos necessários para a apresentação ao Governo de uma proposta de criação de um sistema de cobertura do risco de fenómenos sísmicos. 

Destaco ainda um outro grande desafio que se coloca a Portugal e que se relaciona com a resposta à complexa realidade do envelhecimento da população. 

Sendo maior a longevidade, é necessário gerar mais rendimento e/ou acumular mais poupança durante a vida ativa, mitigando assim as pressões e desafios próprios que se colocam ao sistema público de segurança social nesta matéria. 

Neste aspeto, Portugal está consideravelmente atrás da média da União Europeia, registando taxas de poupança relativamente baixas, sendo por isso fundamental promover políticas que incentivem e consciencializem as pessoas para a importância da poupança para a reforma. 

As empresas de seguros e sociedades gestoras de fundos de pensões devem procurar responder a este desafio com a disponibilização de produtos atrativos, capazes de proporcionar fluxos regulares de rendimento durante a reforma e de incentivar a acumulação de poupança de longo prazo. Esses produtos têm que estar adaptados às necessidades e preferências dos consumidores. 

Não tendo a ASF uma intervenção direta na iniciativa de desenho dos produtos de seguros e fundos de pensões, compete-lhe criar condições ao nível do enquadramento regulamentar que permita o desenvolvimento de produtos adequados às necessidades das famílias e da economia, acautelando os interesses dos futuros beneficiários e assegurando que a poupança investida serve o propósito para que foi constituída: garantir a melhoria de condições de vida dos futuros pensionistas. 

Os números são sobejamente conhecidos e as projeções têm uma probabilidade elevada de se concretizarem, bastando para tal olhar para o passado e o presente. Os ganhos de longevidade da população são uma tendência consolidada da nossa demografia, que se traduz em mais anos de vida, mas com níveis de liquidez financeira reduzidos. 

Um recente relatório da Comissão Europeia, o Ageing Report de 2024, elaborado com a contribuição do Gabinete de Planeamento, Estratégia e Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças, o GPEARI, e da ASF, aponta como provável um cenário de queda significativa da pensão média nacional, em 2050, para um valor médio equivalente a 38,5% do último salário, a chamada taxa de substituição, caso não sejam efetuadas alterações ao sistema da segurança social.

Ora, os seguros e os fundos de pensões têm aqui um papel muitíssimo relevante, justamente pela função socioeconómica, designadamente a função de captação de poupança para assegurar rendimentos complementares, em particular no fim da vida ativa. 

Portugal tem hoje um setor segurador e de fundos de pensões maduro e experiente que tem contribuído de forma positiva para responder às necessidades do País. O que se espera deste setor, perante a transformação demográfica que estamos a viver e da qual todos queremos beneficiar, é que seja capaz de oferecer produtos e serviços que respondam efetivamente às novas necessidades que decorrem do envelhecimento e aumento da longevidade. 

Com vista a manter produtos rentáveis, mas também para dar resposta às novas necessidades trazidas pela maior longevidade, a atividade seguradora e de fundos de pensões necessita de ponderar estas necessidades específicas e de inovar, repensando a sua oferta disponível.

Porém, não será possível acautelar o futuro sem conhecimento. A literacia financeira é preponderante para apoiar os consumidores a tomarem decisões sustentáveis. 

O compromisso da ASF nesta matéria é o de continuar a trabalhar para que o consumidor de seguros compreenda melhor as matérias financeiras e da poupança, a terminologia e as opções ao seu dispor e ainda os benefícios que poderá retirar de cada opção, efetuando escolhas mais conscientes e acertadas.

Para além de campanhas dedicadas a consumidores que integram faixas da população mais vulnerável, como, por exemplo, os idosos ou consumidores com menor literacia – financeira e/ou digital –, de forma a dotá-los de competências que permitam evitar a opção por produtos menos adequados às suas necessidades e, assim, práticas de misselling, a ASF tem vindo a prestar uma especial atenção ao value for money, ou seja, às características dos produtos, a nível de sinistralidade, do comissionamento e, mesmo, da configuração do próprio clausulado, em especial no que às exclusões diz respeito, procurando garantir que os produtos disponíveis no mercado entregam efetivo valor aos consumidores.

Termino, reforçando que os setores segurador e de fundos de pensões se encontram capacitados para responder aos desafios atuais, fruto do reforço dos seus níveis de solvência, da criação de uma cultura de gestão baseada nos riscos e de uma supervisão próxima do mercado. 

A história secular deste setor demostra o seu papel relevante na sociedade e na economia portuguesas. Porém, é essencial garantir que a oferta e distribuição de produtos de seguros e de fundos de pensões é apresentada de uma forma clara e adequada às necessidades individuais dos consumidores, reforçando assim a confiança no setor segurador.

Esta, é uma preocupação que a ASF tem e que, certamente, contará com importantes contributos da Academia e, em particular, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e do Instituto do Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros.

Muito obrigado.
 

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