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Exemplo: "Circular n.º 8/2021"

Migalhas de pão

Intervenção da Presidente da ASF no 4.º Congresso de Direito dos Seguros da Almedina|AIDA Portugal

14-11-2024

Muito bom dia a todos. 

Cumprimento todos os oradores e participantes do 4.º Congresso de Direito dos Seguros.

Gostaria de agradecer à AIDA Portugal o convite para estar hoje aqui o que faço com muito gosto e interesse.

Dirijo uma saudação especial à Professora Doutora Margarida Lima Rego e à Professora Doutora Maria Elisabete Ramos, coordenadoras científicas deste Congresso.

E cumprimento o Senhor Dr. Rui Martinho que nos acompanha nesta cerimónia de abertura. 

Gostaria de aproveitar esta ocasião para expressar a boa e franca cooperação que tem marcado a relação entre ambas as instituições: a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e a AIDA Portugal.

É o direito dos seguros que une ambas as instituições: a AIDA pelo seu objeto, estudo e divulgação das questões relacionadas com o direito dos seguros e a ASF como autoridade de regulação e supervisão que tem por missão assegurar o regular funcionamento do setor segurador e do setor dos fundos de pensões. 

O presente Congresso organizado pela Almedina em parceira com a AIDA Portugal revela a importância e a complexidade da regulação e da supervisão da atividade seguradora.

Diria que o tema do Congresso “Novos riscos, novos desafios” é em si um grande desafio para todos quantos hoje estamos aqui reunidos.

Serão, com efeito, discutidas matérias muito relevantes associadas aos novos riscos e aos novos desafios que têm vindo a surgir num contexto de permanente inovação tecnológica, mudanças climáticas e crescente instabilidade geopolítica.  

Estas matérias têm um impacto estrutural nas empresas de seguros, consumidores, investidores e entidades públicas, designadamente, nos modelos de negócio, sistemas de governação, opções de consumo e desenvolvimento de políticas públicas. 

Os operadores, os consumidores, os investidores e demais stakeholders, bem como as entidades de supervisão financeira, encontram-se perante um enquadramento regulatório muito extenso e denso que requer uma elevada especialização para a sua interpretação e aplicação.

Irei começar por abordar o tema do ciberrisco e da inteligência artificial (IA).

No atual contexto de permanente inovação tecnológica e de preponderância da via digital no setor segurador, importa prevenir as consequências provenientes da exposição aos riscos associados às tecnologias de informação e comunicação (TIC) – e, neste âmbito, aos riscos cibernéticos –, assumindo especial relevância o reforço da resiliência operacional dos operadores.

Reconhecendo estes desafios, foi publicado, em dezembro de 2022, o Regulamento DORA, que cria um quadro regulatório para todo o setor financeiro sobre a resiliência operacional digital, prevendo regras específicas relativas à gestão do risco associado às TIC, à notificação de incidentes de carácter severo relacionados com as TIC, aos testes de resiliência operacional digital, bem como à gestão do risco associado às TIC devido a terceiros.

A ASF tem vindo a acompanhar os trabalhos de desenvolvimento dos correspondentes mandatos regulatórios, em estreita colaboração com os demais supervisores financeiros nacionais e as Autoridades Europeias de Supervisão.

É fundamental que, no quadro de implementação das exigências trazidas pelo Regulamento DORA, os operadores disponham de mecanismos de governação e ferramentas que mitiguem a sua exposição aos riscos cibernéticos e que, em caso de ocorrência de incidentes, permitam a sua adequada e célere resolução, evitando canais de contágio e garantindo a continuidade dos serviços sem interrupções significativas.

Ao longo de 2024, a ASF tem vindo a empreender um conjunto de iniciativas que visam apoiar as entidades supervisionadas no seu processo de adaptação, das quais se destacam a publicação de uma norma regulamentar relativa à notificação de incidentes de carácter severo relacionados com as TIC e a participação no exercício de recolha de informação sobre contratos de prestação de serviços de TIC que suportem funções críticas ou importantes.

A contínua transformação digital da economia e a frequência e sofisticação crescentes dos ciberataques afeta igualmente a cobertura e gestão do risco cibernético. 

Como tal, um mercado de seguros cibernéticos bem desenvolvido, com coberturas e práticas de subscrição adequadas, pode desempenhar um papel fundamental na transformação para a economia digital, contribuindo, de forma preponderante, para a resiliência operacional digital. 

Relativamente ao contexto específico da IA, é importante sublinhar que a utilização desta tecnologia assume um papel fundamental na transformação digital das empresas de seguros, seja nos modelos de operação seja nos modelos de negócio.

No setor segurador, a análise de dados e o processamento de informação assumem um papel central. 

Assim, o uso adequado da IA pode aumentar a eficiência em diversos domínios, tais como a gestão de processos de sinistros, a deteção de fraudes ou a determinação de prémios.

No entanto, a rapidez da inovação tecnológica financeira e o incremento da utilização de IA importam riscos acrescidos, nomeadamente ao nível dos mecanismos e resultados obtidos através desta tecnologia e do alcance de potenciais soluções injustas ou discriminatórias implementadas junto de consumidores. 

Tendo em vista assegurar um elevado nível de proteção contra os efeitos nocivos dos sistemas de IA e apoiar a inovação, foi publicado, em julho de 2024, o Regulamento Europeu que cria regras harmonizadas em matéria de IA.

Este Regulamento estabelece regras para a colocação e utilização de sistemas de IA no mercado europeu, proibindo, inclusivamente, certas práticas relacionadas com estes sistemas e estabelece requisitos específicos mais exigentes para sistemas que constituem um risco elevado, bem como para os prestadores e responsáveis pela sua implementação. 

Esta matéria assume um impacto relevante para o setor segurador na medida em que o Regulamento qualifica, como sistemas de IA de risco elevado, aqueles que sejam utilizados nas avaliações de risco e na fixação de preços em relação a pessoas singulares no caso de seguros de vida e seguros de saúde.

Estes desenvolvimentos implicam que a ASF detenha as capacidades para supervisionar sistemas de IA e promova a respetiva utilização de forma ética e responsável, nomeadamente através da monitorização da sua adoção pelos operadores, o que determinou a decisão de investirmos na formação das nossas equipas.

A ASF encontra-se, também, a desenvolver um projeto em parceria com a Academia com vista a testar a incorporação de soluções com componente de IA nos seus processos de supervisão.

Para além da componente de supervisão, é essencial o fomento da adequada aplicação do Regulamento IA de forma coerente e integrada com a legislação setorial em vigor, importando reter que a ASF planeia desenvolver estudos de suporte a uma iniciativa regulatória a lançar em 2025 relativa ao uso de IA nos setores que supervisiona. 

Gostaria agora de abordar os riscos e os desafios relacionados com as alterações climáticas e finanças sustentáveis. 

As considerações ambientais, sociais e de governação tornaram-se indissociáveis dos modelos de desenvolvimento das economias e das sociedades. 

O setor financeiro é uma peça fundamental no processo de transição para uma economia hipocarbónica, eficiente e sustentável em termos de recursos, sem perder a competitividade, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas, bem como com o Pacto Ecológico Europeu. 

Esta transição exige a aplicação de substanciais recursos financeiros, apelando à mobilização de ambos o setor público e o setor privado.

No caso do setor segurador, destaca-se o papel na disponibilização de coberturas e na gestão profissional de diversos riscos climáticos, como tempestades, inundações, incêndios ou secas extremas. 

Presentemente, persistem défices (gaps) críticos de proteção em relação a estes riscos, configurando vulnerabilidades para as famílias, para o património, para a continuidade da atividade económica e para a própria estabilidade do sistema financeiro. 

Combinado com políticas públicas que alarguem materialmente a procura por estas coberturas, bem como com a necessidade de crescente preparação e prevenção estrutural do património para resistir a riscos climáticos, o setor segurador pode, através de tarifas eficientes e cientificamente sustentadas, contribuir para mitigar as perdas financeiras dos agentes económicos, incluindo as famílias, afetados por estes eventos climáticos, promovendo uma economia e sociedade mais resilientes a este tipo de fenómenos climáticos. 

As políticas de subscrição e provisionamento e a gestão do risco de investimento prosseguidas pelas empresas de seguros devem considerar medidas relativas aos riscos de sustentabilidade, em particular, os seus efeitos na avaliação e gestão do risco de perda ou de evolução desfavorável dos valores dos passivos de seguros e resseguros decorrentes de uma fixação de preços e de pressupostos de provisionamento inadequados.

No que diz respeito, concretamente, à realização de investimentos, as empresas de seguros devem, também, tomar em consideração os riscos de sustentabilidade quando procedem à identificação, mensuração, monitorização, gestão, controlo, comunicação e avaliação dos correspondentes riscos.

A ASF tem monitorizado atentamente o impacto dos riscos em matéria de sustentabilidade nas empresas de seguros. 

Destaco a publicação da Circular n.º 1/2022, de 25 de janeiro, sobre análise de cenários de riscos de alterações climáticas no âmbito do exercício de autoavaliação do risco e da solvência.

No que diz respeito à relação com os consumidores, é essencial assegurar clareza e transparência na informação e, consequentemente, promover um clima de confiança, em torno da conceção e distribuição dos produtos financeiros.

A proteção dos consumidores face a este impacto negativo passa também pelo investimento na literacia e, em paralelo, na sua sensibilização.

Um dos obstáculos ao desenvolvimento de uma economia sustentável é a prática de greenwashing

Por força do greenwashing, os consumidores são induzidos a adquirir produtos financeiros que não se encontram alinhados com as suas preferências ou a adquirir estes produtos junto de uma empresa de seguros que se apresenta com um determinado perfil de sustentabilidade que não corresponde à verdade.

As ocorrências de greenwashing corroem a confiança dos consumidores e podem gerar danos reputacionais significativos.

Neste domínio, a ASF tem promovido ações de supervisão tendo em vista prevenir fenómenos de greenwashing e proteger os consumidores, assegurando ainda uma aplicação uniforme e coerente dos regimes jurídicos em vigor. 

Por último, gostaria de abordar, de forma breve forçosamente sumária, o impacto dos riscos políticos no setor segurador.

Os riscos políticos podem ter um impacto significativo nas empresas de seguros, afetando a operação e a viabilidade técnica do negócio segurador, designadamente, em contextos de elevada sensibilidade, designadamente instabilidade social, sanções internacionais, expropriações e conflitos armados.

E, os tempos em que vivemos são especialmente propensos a estas circunstâncias, designadamente, a guerra provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e os conflitos no Médio Oriente.

Com efeito, determinados eventos políticos, em particular, guerras e protestos violentos, podem resultar num aumento súbito e inesperado da sinistralidade, designadamente, em seguros de danos, por força da destruição em massa de bens.

Por outro lado, mudanças políticas que ameacem a estabilidade social e económica de um país podem ter efeitos adversos na inflação e noutros indicadores relevantes para o negócio segurador, com reflexos no valor dos seus ativos e investimentos, bem como nos custos com sinistralidade. 

Assim como, situações de crise económica podem diminuir a procura por seguros, levando a uma redução de negócio com impactos na rentabilidade e solvência das empresas de seguros.

Da perspetiva da sua função económica e social, o setor segurador - setor de gestão dos riscos por excelência - dispõe de diversas opções para fazer face a cenários de riscos políticos.

Por um lado, os seguros de interrupção de negócios podem contribuir para a proteção das empresas contra as consequências da sua materialização. 

Com efeito, estes riscos podem afetar diretamente as operações, as cadeias de produção e as cadeias de abastecimento, os procedimentos e o funcionamento regular de uma organização, causando perdas económicas e financeiras significativas.

De entre vários produtos disponíveis, o seguro de crédito apresenta-se como uma ferramenta importante na gestão destes riscos e de apoio à exportação das empresas, garantindo a proteção face ao incumprimento de clientes, por meio da cobertura de riscos de não pagamento.

E para terminar.

Estamos perante quadros legais extensos, dispersos e muito complexos que requerem uma elevada especialização para a sua interpretação e aplicação.

Com efeito, a multiplicidade e complexidade dos requisitos regulatórios dificulta a adoção de uma abordagem estável e sistemática, em que seja possível avaliar de forma holística os ónus regulatórios e a eficiência regulatória. 

Aliviar as exigências regulatórias no setor financeiro pode ser um fator importante para estimular o crescimento económico, fomentar a inovação e aumentar a competitividade.

No entanto, uma eventual flexibilização dos requisitos legais deve ser proporcional e equilibrada, de forma a, por um lado, não comprometer a segurança e a estabilidade do setor financeiro e prevenir a adoção de riscos excessivos e comportamentos irresponsáveis e, por outro, proteger o sistema financeiro, em particular, os consumidores, de crises que a memória ainda traz bem presente.

Na carta de missão dirigida pela Presidente da Comissão Europeia à nova Comissária para os Serviços Financeiros, Poupança e a União dos Investimentos, esta foi mandatada para garantir que as regras atuais são apropriadas aos fins que tinham em vista e para se focar na redução de ónus administrativos e na simplificação da legislação. 

Por seu turno, a nova Comissária, Dra. Maria Luís Albuquerque, já expressou a sua abordagem com vista à simplificação regulatória que considera essencial para uma economia competitiva da União Europeia, sem sacrificar a integridade regulatória, facilitando a conformidade sem comprometer a estabilidade financeira ou a confiança do consumidor.

E termino, com o desejo que este Congresso promova uma proveitosa discussão sobre os novos desafios do Direito dos Seguros. 

Desejo também que este Congresso seja um incentivo para entidades públicas e privadas, incluindo autoridades de supervisão, operadores, associações de consumidores e a academia desenvolverem esforços e trabalharem em conjunto na construção de um setor financeiro inclusivo, sólido, resiliente e transparente.

Quero aproveitar esta oportunidade para prestar uma singela e sentida homenagem ao Professor Doutor Pedro Romano Martinez. 

O Professor Doutor Pedro Romano Martinez prestou um notável contributo em diversas áreas do Direito, em particular, o Direito dos Seguros, no plano dos trabalhos legislativos, da produção científica e da docência. 

O seu saber científico, rigor e generosidade deixaram uma marca profunda em gerações de juristas e de investigadores.

O Professor Doutor Pedro Romano Martinez esteve sempre disponível para colaborar com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, será sempre lembrado.

E agora, sim, termino com a firme convicção de que todos somos importantes, cada um fazendo o seu trabalho para, em conjunto, enfrentarmos os desafios atuais e futuros.

Muito obrigada.

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