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Migalhas de pão

Intervenção do Presidente da ASF na 6.ª Conferência Anual ECOseguros

23-10-2025

Construir hoje a resiliência de amanhã


Minhas senhoras e meus senhores,

Quero começar por agradecer ao ECO e à equipa da ECOseguros o amável convite para a abertura desta conferência e, sobretudo, felicitar-vos pelo trabalho que têm desenvolvido. O ECOseguros tem desempenhado um papel relevante na cobertura informada e rigorosa do setor segurador, contribuindo para uma comunicação mais transparente e para uma sociedade mais consciente da importância dos seguros.

Um setor com esta relevância precisa de mais e melhor comunicação para chegar aos cidadãos. A ASF acompanha com atenção o trabalho da comunicação social e reconhece o papel crucial que desempenha: num setor que vive da confiança e da transparência, comunicar bem é também uma forma de melhor servir os cidadãos.

A minha intervenção de hoje é centrada num dos desafios mais importantes que temos como sociedade: Construir hoje a resiliência de amanhã.

Num mundo marcado pela multiplicação dos riscos — climáticos, digitais, demográficos e geopolíticos — o setor segurador assume hoje, e assumirá cada vez mais no futuro, um papel essencial como pilar de estabilidade, proteção e confiança para os cidadãos e para as empresas, transformando incerteza em segurança e promovendo resiliência económica e social.

No entanto, em Portugal, o setor segurador ainda não tem a expressão que se observa em muitos países desenvolvidos, e essa realidade tem implicações relevantes tanto para a proteção dos cidadãos como para a perceção externa da robustez da economia nacional.

O facto de a penetração dos seguros no PIB português continuar bem abaixo da média europeia, reflete uma cultura de menor valorização da proteção financeira e da gestão de risco e é uma clara fragilidade estrutural da economia portuguesa. Reforçar o setor segurador é, por isso, não apenas uma questão de proteção social, mas também uma estratégia de credibilidade económica e competitividade internacional.

O desafio de incrementar a proteção manifesta-se em duas frentes distintas, mas unidas pela mesma lógica de antecipação. A primeira é a dos choques súbitos e visíveis como por exemplo as catástrofes naturais. A resiliência, neste caso, significa ter mecanismos financeiros, como um sistema de seguro robusto, prontos a atuar antes que a terra trema, as águas subam ou os incêndios nos afetem. Significa transformar uma perda potencialmente devastadora numa perda gerível e recuperável. A segunda frente é a das crises lentas e silenciosas, como o envelhecimento da população. Aqui, a resiliência constrói-se ao longo de décadas, através da criação de sistemas de poupança de longo prazo que garantam a dignidade, o acesso a cuidados de saúde e a segurança financeira na reforma. Em ambos os casos, a disciplina é a mesma: agir hoje para neutralizar uma ameaça futura.

Construir esta resiliência não é uma tarefa exclusiva do Estado nem uma responsabilidade deixada ao acaso do mercado. É um pacto que exige a colaboração de todos: do cidadão, que poupa e se previne; das empresas e do setor financeiro, que inovam e criam os instrumentos adequados; e do Estado, que regula, incentiva e atua como garante último do sistema. É, em suma, a marca de uma sociedade madura, que entende que o seu maior ativo é a capacidade de se proteger e de cuidar das suas gerações futuras. É o contrato social que firmamos com o amanhã.

É sobre este desafio que gostava de vos deixar hoje a minha reflexão. Comecemos então pela poupança de longo prazo para a reforma. 

Como já referi publicamente, em Portugal laboramos num profundo paradoxo: somos um povo de aforradores, mas não de investidores de longo prazo. Uma fatia imensa da nossa riqueza permanece estagnada em depósitos bancários que, na última década, têm oferecido rendibilidades reais negativas. Esta inércia representa uma dupla penalização: por um lado, a inflação corrói silenciosamente o poder de compra futuro dos cidadãos; por outro, deixamos o nosso mercado de seguros e fundos de pensões muito aquém da média europeia, limitando a adequação das pensões futuras. O custo desta situação é uma imensa oportunidade perdida para reforçar a segurança financeira na reforma.

É imperioso que se efetue uma mudança estratégica na forma como encaramos a poupança, canalizando estes recursos para produtos desenhados especificamente para o longo prazo, que permitam diversificar investimentos e assumir horizontes temporais mais longos. Ao fazê-lo, aumenta-se significativamente a probabilidade de obter rendibilidades reais positivas, protegendo o património contra a erosão da inflação e construindo um complemento verdadeiramente eficaz para a pensão pública. Trata-se de uma decisão fundamental para transformar a poupança de um ato passivo numa ferramenta ativa de construção de futuro.

Esta reorientação da poupança terá um impacto que transcende a esfera individual, convertendo-se num poderoso motor para a economia nacional. Ao mobilizar este capital para o longo prazo, criamos uma base de financiamento estável para investimentos produtivos que o país necessita. Estes fundos podem ser direcionados para setores estratégicos como a transição energética, a inovação tecnológica, a saúde e a modernização de infraestruturas, gerando crescimento e competitividade. Cumpre-se, assim, uma dupla missão: por um lado, garante-se uma maior adequação e dignidade nas pensões futuras dos portugueses; por outro, financia-se o desenvolvimento sustentável da economia.

Para mobilizar a poupança dos portugueses para o longo prazo, a primeira barreira a derrubar é a da complexidade. Os produtos de reforma do futuro devem assentar numa simplicidade radical, onde a informação é apresentada em linguagem clara e os custos são reduzidos com base na utilização de novas tecnologias. O objetivo deve ser criar um produto tão fácil de subscrever e entender como um depósito a prazo, eliminando o receio e a desconfiança que hoje afastam tantos cidadãos do investimento de longo prazo.

Para além da simplicidade, estes produtos devem resolver as duas maiores dúvidas do aforrador comum: "onde investir?" e "quando devo alterar o meu risco?". A solução passa por integrar, por defeito, uma estratégia de investimento baseada no ciclo de vida, que funciona como um piloto automático para a poupança. Este mecanismo ajusta a carteira de forma progressiva ao longo do tempo, investindo em ativos de maior crescimento na juventude e migrando para opções mais seguras à medida que a idade da reforma se aproxima. Combinado com uma diversificação global que dilui o risco por diferentes geografias e setores, o cidadão garante uma gestão de risco profissional e adequada à sua idade, sem necessitar de qualquer conhecimento técnico.

Finalmente, a viabilidade de tudo isto assenta num pilar decisivo: um tratamento fiscal atrativo e estável. É esta combinação de tecnologia, simplicidade e atratividade fiscal que permitirá oferecer produtos de alta qualidade com custos mais baixos, garantindo que a maior fatia da rendibilidade gerada fica, como deve ser, nas mãos do aforrador.

Mas a poupança de longo prazo não tem como único destino o financiamento das reformas. Serve também para fazer face aos problemas de saúde associados ao incremento da longevidade.

Com a pandemia, os seguros de saúde passaram a estar no centro das preocupações da população. De acordo com o segundo inquérito nacional sobre seguros de saúde à população residente em Portugal, realizado no final de 2024 no âmbito do Observatório dos Seguros de Saúde da ASF (que convido a visitarem), a dificuldade de acesso ao SNS continua a ser o principal motivo para se contratar um seguro de saúde (34% dos inquiridos), seguido de uma menor espera para efetuar as marcações (25%).

Os seguros de saúde têm crescido de forma muito marcada, atingindo 1,7 mil milhões de euros de prémios brutos emitidos em 2024. Apesar de não ter por base um seguro obrigatório, o ramo Doença corresponde hoje ao segmento de negócio com maior produção, à frente, por exemplo, do seguro de responsabilidade civil automóvel ou dos seguros de acidentes de trabalho, o que nenhum de nós certamente imaginava que pudesse acontecer.

Em 2024 ultrapassaram-se os 4 milhões de pessoas seguras, o que é notável, mesmo sabendo-se que existe um efeito de duplicação de quem detém mais de um seguro. De acordo com o inquérito que há pouco referi, 32% da população residente em Portugal, com idade igual ou superior a 18 anos, tem hoje um seguro de saúde.

Estes são números que ilustram bem a relevância que os seguros de saúde têm vindo a assumir, não só a nível económico, mas também social, prevendo-se que continuem a evoluir no mesmo sentido nos próximos anos, até porque a satisfação global, a qualidade do serviço e o nível de confiança mantêm-se elevados, tendo obtido um índice de 7,9 pontos em 10.

Contudo, o setor dos seguros de saúde em Portugal enfrenta um conjunto de desafios interligados que testam a sua sustentabilidade a longo prazo. De um lado, regista-se como vimos uma procura crescente; do outro, há uma pressão contínua sobre os custos, impulsionada pela inflação médica e pela dinâmica de negociação com os grandes grupos hospitalares. Em resposta, as seguradoras ajustam os prémios, levantando uma questão central sobre a acessibilidade do produto, especialmente para a população sénior, onde o modelo atual se revela menos eficaz. O futuro do setor passa, assim, pela capacidade de encontrar um novo equilíbrio, o que exige uma atuação em três frentes estratégicas e complementares.

A primeira frente de atuação foca-se na reconfiguração da oferta de cuidados e na otimização da estrutura de negócio para enfrentar a espiral de custos. Fomentar uma maior concorrência entre prestadores é um passo fundamental para moderar os preços, mas a mudança mais transformadora pode vir da verticalização, onde as seguradoras desenvolvem as suas próprias redes de saúde. Contudo, por mais eficientes que estas medidas tornem o sistema, elas não resolvem, por si só, o desafio demográfico mais profundo: como proteger a população no pós-reforma.

É precisamente para responder a essa questão estrutural que a segunda frente se torna indispensável, exigindo uma mudança de paradigma de um modelo de risco anual para um de financiamento a longo prazo. A solução mais robusta e testada noutros países é a criação de seguros de saúde de longo prazo, financiados através de mecanismos de capitalização ao longo da vida ativa do trabalhador, com prémios nivelados e a constituição de provisões. Estes seguros garantiriam a continuidade da cobertura após a reforma, sem reavaliação do risco ou exclusão de doenças pré-existentes.

Finalmente a terceira frente estratégica representa uma outra mudança de paradigma: deixar o foco num "seguro de doença" para se reinventar como um verdadeiro "seguro de saúde". Continuar a operar como um mero pagador de despesas médicas, num modelo reativo que apenas entra em ação quando a doença já está instalada, é uma estratégia com os dias contados face à insustentabilidade dos custos. O mercado exige uma nova visão, onde a seguradora se assume como uma parceira proativa na jornada de bem-estar do cliente, com a missão de o manter saudável. O desafio não é apenas financeiro, mas de propósito: ou o setor lidera esta transformação, ou corre o risco de se tornar progressivamente inacessível.

Superar este desafio exige que as seguradoras em Portugal abracem a inovação de forma decisiva para implementar uma cultura de prevenção. Tal como noutros países, a implementação passa por adotar um ecossistema de ferramentas digitais que permitam monitorizar indicadores vitais e, com o apoio de inteligência artificial, oferecer aconselhamento personalizado para mitigar riscos de saúde. A par da tecnologia, é crucial desenvolver programas de incentivos que recompensem ativamente os comportamentos saudáveis e generalizar o acesso a serviços como a telemedicina e o apoio à saúde mental. O desafio prático está em ir além do discurso e investir em modelos que provem o seu valor, utilizando o conhecimento global para construir um sistema que seja, em suma, mais inteligente, preventivo e sustentável para o futuro do mercado segurador português.

Outra área onde existem lacunas de proteção relevantes é sem dúvida a das catástrofes naturais. 

Avançar com a criação de um mecanismo de proteção contra catástrofes naturais é, acima de tudo, instituir um modelo de responsabilidade partilhada. É um pacto onde cidadãos e empresas assumem a sua parte na proteção, e onde o setor segurador, o resseguro e os mercados de capitais formam a primeira linha de defesa financeira, com o Estado a atuar como garante último do sistema. A virtude mais evidente desta parceria é a financeira: garantir que, após um sismo, uma cheia ou um grande incêndio, as famílias e as empresas recebem, de forma rápida, o capital de que precisam para se reerguerem. Deixamos de depender de ajudas incertas para termos um sistema pré-financiado que protege o orçamento público e acelera a recuperação económica, evitando a falência e o endividamento.

Mas as virtudes deste sistema vão muito para além da resposta pós-desastre. Ao dar um preço ao risco, o seguro cria um incentivo económico direto para a prevenção. Cidadãos e empresas são encorajados a adotar medidas de mitigação, como o reforço de edifícios ou a limpeza de terrenos, em troca de melhores condições. Em paralelo, um sistema nacional permite mutualizar os riscos a uma escala que os torna mais estáveis e seguráveis, diluindo o impacto de uma catástrofe através da partilha com o mercado ressegurador tradicional e, de forma cada vez mais inovadora, com os mercados de capitais globais através de mecanismos alternativos como as obrigações catastróficas. Deixamos de ser meros espectadores do risco para passarmos a ser gestores ativos da nossa própria segurança.

Em última análise, o que está em jogo é a estabilidade económica e a coesão social do nosso país. Um sistema de proteção contra catástrofes claro e previsível aumenta a confiança de todos — cidadãos, investidores e instituições. É, em suma, a diferença entre sermos um país que apenas reage a tragédias e um país que se prepara para elas, protegendo o seu futuro de forma inteligente e solidária.

Neste contexto de multiplicação dos riscos, de lacunas de proteção e de necessidades de investimento privado nas prioridades da União, a regulação tem naturalmente sido objeto de ajustamentos. 

Após a grande crise financeira de 2008 e a subsequente crise das dívidas soberanas na Europa, o setor financeiro entrou numa fase de necessário e intenso aperto regulatório. Foi uma resposta inevitável à necessidade de restaurar a estabilidade e a confiança e de construir defesas mais robustas contra o risco sistémico. Regimes como o Solvência II e o Basileia III impuseram requisitos de capital mais exigentes, aumentaram as obrigações de reporte e reforçaram a supervisão, com o objetivo primordial de garantir que o sistema nunca mais estaria tão vulnerável. Esta fase, embora fundamental para a segurança do sistema, criou também um enquadramento algo complexo e, por vezes, excessivamente restritivo.

Hoje, mais de uma década depois, é evidente que estamos numa nova fase, a de refluxo regulatório. O pêndulo, que esteve no extremo da máxima aversão ao risco, está definitivamente a inverter a sua trajetória. Tendo consolidado as bases da estabilidade financeira, estamos hoje numa fase de reavaliação das regras, com um foco crescente na proporcionalidade, na competitividade e no crescimento económico. 

Esperamos que este movimento de refluxo não enfraqueça o sistema, mas que o torne mais eficiente, ágil e capaz de cumprir a sua função central: financiar a economia e servir a sociedade. O desafio para o futuro é, portanto, encontrar o ponto de equilíbrio certo para este pêndulo, onde a regulação garante a solidez e a proteção do consumidor, mas sem sufocar a inovação, a concorrência e a capacidade do setor financeiro de investir nas grandes transições que temos pela frente, da digital à climática. É a consolidação de um setor seguro, mas também dinâmico e competitivo. 

A recente revisão da Diretiva Solvência II, publicada em janeiro de 2025 e que entra em vigor em 2027, representa uma significativa atualização ao regime e visa sobretudo ajustar os requisitos quantitativos e reforçar o princípio da proporcionalidade.

O impacto mais direto na proporcionalidade será sentido pelas seguradoras de menor dimensão e com perfis de risco menos complexos. Para estas entidades, o novo enquadramento prevê a simplificação de cálculos, a redução de obrigações de reporte e uma abordagem de supervisão mais ajustada à sua realidade, diminuindo os encargos administrativos e financeiros que o regime inicial impunha. A alteração mais visível ao nível dos requisitos quantitativos, que será ainda amplificada por um novo regulamento delegado ainda em discussão, resultará num alívio de capital de montante muito significativo para o setor no seu todo.

Esta libertação de capital cria, no entanto, uma situação singular e um desafio para a estabilidade do setor a longo prazo. A melhoria nos rácios de solvência não resultará de uma diminuição do perfil de risco das seguradoras, mas sim de uma alteração nas regras de cálculo e, sejamos claros, no nível global de prudência, o que naturalmente coloca desafios acrescidos à supervisão. A ASF prepara-se para este novo cenário reforçando os seus recursos humanos e tecnológicos, a fim de aumentar a sua capacidade de antecipar riscos e atuar de forma mais inteligente, rápida e eficaz, para manter a estabilidade financeira e continuar a garantir a proteção dos consumidores.

O excedente de capital decorrente da revisão do Solvência II deve ser visto pelos operadores como uma oportunidade estratégica para incrementar o investimento em tecnologia e no desenvolvimento de novos produtos, soluções de gestão de risco e serviços que fomentem a capacidade do setor de prestar mais e melhor serviço aos seus clientes. 

Adicionalmente, a redução dos requisitos de capital para alguns tipos de ativos, como as ações, deve funcionar como um incentivo ao desenvolvimento de estratégias de investimento mais adequadas aos produtos de longo prazo para a reforma. 

Em suma, o impacto mais positivo desta revisão virá da capacidade do setor de usar este alívio regulatório não como um ganho a distribuir pelos acionistas, mas como capital a reinvestir na sua própria modernização e na melhoria do serviço prestado à economia e à sociedade.

Minhas senhoras e meus senhores,

A segurança e a prosperidade do nosso futuro não são um dado adquirido, mas sim o resultado de decisões e investimentos que fazemos no presente. Resiliência é a capacidade de um sistema — seja um indivíduo, uma economia ou um país — de absorver um choque, recuperar rapidamente e adaptar-se para se tornar mais forte. É o oposto da fragilidade, que nos deixa permanentemente vulneráveis, a reagir de crise em crise, a remediar em vez de prevenir. Adiar esta construção é escolher, conscientemente, um futuro mais instável e mais caro, onde o custo da inação será sempre superior ao preço da preparação. 

Construir hoje a resiliência de amanhã é um desafio no qual todos temos a nossa quota parte de responsabilidade. Espero que todos tenhamos noção de que como diz a sabedoria popular chinesa, "O melhor momento para plantar uma árvore foi há vinte anos. O segundo melhor momento é agora.".

Muito obrigado.

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